As tardes de verão passadas no alcatrão confundem-se todas. Primeiro o dia laboral passado na ilusão do ar condicionado. Depois a saída pontual tão aguardada com o calor à nossa espera para oferecer a sua fragrância de suor, cheiro à merda de cão assada, pó de calçada e arrotos de combustível. Há tardes, outras, que nos tapam o olfato com a ilusão desta coisa do “jornalismo gaming” e o privilégio de fazer parte dele, sem ser pago por isso, sem ser reconhecido por isso, sem ser lido por isso… Mas f**a-se! Cá estamos! Prontos para apalpar o luxo que poucos reconhecem!

Recentemente tive uma destas tardes quebra rotinas numa das empresas de jogos mais pró-ativas no nosso país: a Nintendo Portugal.

Situada no nosso pequeno espaço de utopia empresarial, a Nintendo aceita frequentemente abanar o quotidiano dos seguranças dos prédios de vidro com uma largada de putos barbudos fardados com t-shirts com a mais diversa seleção de macacada em cima. Sem surpresa, mal sou avistado: “É para a Nintendo? Pode entrar!”

Enquanto aguardo pelo elevador e tento recuperar os estilhaços de auto-estima, tento focar-me no plano para hoje: experimentar o novo Zelda: Hálito Selvagem (Breath of the Wild em “americano”).

Chegado ao local, anormalmente silencioso, abro a porta devagar, receoso com a perspetiva de uma daquelas excentricidades de PR em excesso de confiança. Lá dentro, um “estranja” com um pólo azul do Zelda um tamanho acima do adequado, joga perante um rebanho de nerds a espumar da boca… Nenhum com apêndice ortôndotico para justificar a deselegância. Algures entre os 6 centímetros de plástico de amiibos inéditos e a performance do nosso anfitrião, os redatores sentados no sofá são carcaças de profissionalismo a suarem gotas de fanatismo pavlovianas.

Uma flecha apontada à carteira

Uma flecha apontada à carteira

À semelhança do que aconteceu na E3, a Nintendo aposta na divulgação do seu maior trunfo respeitando o paradigma do videojogo como entretenimento joypadless. As peripécias fluem com uma naturalidade desconcertante ao ritmo das novidades de gameplay. Para cada problema uma novidade. Rapidamente a minha mente especula sobre os artifícios deste wrestling… Quantas vezes terá o colega ensaiado a sua despreocupada exploração do Zelda? Logo veremos rectângulo em mão.

Acabada a demonstração, furo o constrangimento social para atacar uma das demos com o à vontade de um artista do palito num casamento. O responsável do local, famoso pelo seu sentido de hospitalidade, explica-nos o plano de acção: mais ou menos 15 minutos para cada uma das demos: uma de introdução e outra para ser degustada com os polegares aquecidos.

A primeira demo é igual ao que já foi introduzido na E3. Link acorda aparentemente amnésico de uma sessão numa banheira de privação sensorial, encontra roupa, um tablet e um caso sério de alucinação auditiva. Após um encontro com o Dom Sebastião retornado e uns primeiros toques no sistema que permite brincar com o fogo, somos convidados a fazer o que nos apetece sem grande guião em perspetiva. Olhamos para o horizonte. Ali parece ter qualquer coisa…. ‘Bora?! Sem mapa para entender muito mais somos rapidamente introduzidos aos aspetos essenciais do jogo.

BARRETO-POEIRA-NO-PAPEL-DE-ROMEIRO-EM-FREI-LUIS-DE-SOUSA

You’re a dude Zeld… Link!

O primeiro está nos itens. Comida, armas, escudos… Tudo tem o seu prazo e o seu desgaste. Os dias dos corações nas jarras já lá vão e Link precisa agora de se alimentar para recuperar os necessários pontos de vida. A componente de crafting permite cozinhar um leque diversificado de pratos que, dizem, poderão produzir efeitos que não se limitam apenas à recuperação de HP. As armas vão se desgastando à medida que afiambramos trolls e cortamos árvores algo que permite, entre outras coisas, recuperar maçãs sem esforço ou esmagar a fauna local distraída com a opção mais ecológica possível.

O Sistema de combate moderniza os elementos fundamentais da série. O tiro ao arco ganha em agilidade, as bombas permitem tirar proveito da topografia para atacar inimigos à distancia e o escudo bloqueia não só ataques como pode ser utilizado como prancha de surf/skate/“whatever”. Se o confronto direto não for do seu agrade, podemos optar pelo novo stealh mode para assassinar a criatura nas suas costas. Enfim, isto tem tudo o que vocês gostam malta jovem.

Enquanto vou avistando as entidades com vida para as devolver mais depressa à mãe natureza, fico sem entender o que, para além do loot, me compromete a assassinar estes obstáculos facilmente contornáveis. Estará o jogo a questionar a minha video game logic? Pelo sim pelo não mato mais uns quantos.

Enquanto vou em direcção ao que parece ser uma torre, apercebo-me da decadência deste universo. Entre o verde cartoon dos espaços surgem, aqui e ali, ruínas de grandes construções humanas. A paz de Breath of the Wild faz-se à custa da ausência de vida inteligível… Como uma tarde passada num sítio sem wifi.

climbzelda

Chegados à torre, trepamos para ver se estará lá em cima algum gato à espera de entregar uns feijões mágicos. Este link, outra grande novidade, é um profissional do montanhismo. Com apenas uma barra de stamina para limitar as nossas possibilidades, todas as superfícies verticais podem ser trepadas, o que acrescenta uma agradável sensação de liberdade pois evita o recursos a caminhos pré-determinados.

Chegados lá em cima, nada de gatos. À semelhança de um Assassin’s Creed ou de um Shadow of Mordor estas torres permitem revelar uma parte pequena do mapa sincronizando a nossa tablet que, quem sabe, poderá ter com uma inspiração a futura consola da Nintendo… Em todo o caso, as semelhanças deste objeto fantasista com o comando da WiiU são mais do que evidentes.

Leap of faith? No! no! no!.. :/

Leap of faith? No! no! no!.. :/

A Demo acabou aqui.

À medida que as mães iam chamando os moços para jantar, as consolas foram progressivamente abandonadas o que me permitiu acumular umas 4 sessões deste novo Zelda interrompido apenas pelos nerdgasms de um público visivelmente conquistado pelo produto em demonstração.

O que eu pude apreciar deste minúsculo pedaço do jogo, é que este Zelda aparenta ser o filho de uma serie de inovações que tomaram de assalto a indústria há anos atrás. Shadow of the Colossus? Mordor? Assassin’s Creed? Skyrim? Just Cause?… Veio-me de tudo um pouco à cabeça.

Ao optar por um gigantesco sandbox, a Nintendo trilha novos caminhos no seu catálogo sem abalar as convenções contemporâneas. Fazer do Zelda: Breath of the Wild um bom jogo, independentemente do timing, é o tipo de promessas suficientes para satisfazer os fiéis da marca. Ao conjugar elementos familiares competente, a Nintendo sabe que pode contar com a magia da franquia Zelda para conquistar a sua audiência. Ver o “seu Zelda” diferente é toda a mudança necessária para comprometer os fãs aos constrangimentos de um jogo que aparenta ter centenas de horas de gameplay .

A questão da escala é na verdade algo que quase sempre existiu na série. Quando o The Link to the Past foi lançado na Snes o mundo parecia também não ter fim à vista. O mesmo aquando da chegada de Ocarina of time que assumiu essa ambição com um vistoso cavalo para passeios virtuais em Hyrule. The Wind waker pretendeu o mesmo com os seus mares para ser depois seguido de um par de jogos mais focados em constranger o espaço ao guião e aos gimmicks das suas consolas respetivas.

Breath of the Wild parece ter recuperado um Zelda que já não víamos há algum tempo numa altura em que a sua plataforma procura atingir uma nova audiência. Se a satisfação do fãs é praticamente garantida, o que dizer do público que viveu à sombra dos êxitos da N64? A Aposta não está ganha. Que o diga o meu regresso ao templo do excel e da máquina de café. Satisfeito por ter feito parte dos poucos privilegiados a terem experimentado o novo Zelda, sinto-me solitário no meu privilégio:

-Sabes que ontem fui jogar ao novo Zelda?

-Fixe. Por acaso nunca joguei. É fixe?

-É.

(Breath of Silence)