O fim da BGamer comoveu-me apenas platonicamente mas terá certamente perturbado o excesso de PCistas que há na redacção do galinheiro. De um ponto de vista pragmático, a revista tinha a vantagem de associar conteúdo textual com um jogo o que é sempre louvável para quem acha que isso de interagir com vídeos pode ser considerado uma Arte que se dá ao respeito. Acontece que por convicção ou necessidade – intelectualizar esta infantilidade é a melhor forma de justificar gostar desta merda passado 30 anos – pareceu-nos fazer sentido aproximar-nos do acidente e ajuizar os danos por mero entretenimento. O atropelado neste caso é uma cara conhecida do nosso meio passivo agressivo: O “entertainer vidéolúdico” Rui Parreira.
No seu currículo destacamos a criação da PT Gamer, a sua participação na Smash e a sua posição de redactor na BGamer a partir de 2011. Isto é, o equivalente de perfil de Linkedin daquela múmia que afundou o Titanic e mais uns quantos ingleses com trajes coloniais.
Encontrámos o Rui num prestigiado hotel da capital. Sentado num requintado sofá de veludo, folheia uma daquelas revistas de tecnologia onde uma tipa semi-nua aperta dois smartphones contra o peito. O seu ar descontraído associado à sua indumentária equivalente a uma Zippy para adultos denotam a sua elegância e confirmam o seu carisma. O Parreira avista-me e cumprimenta-me com um sorriso. A química é forte mas o profissionalismo é maior ainda. Sacamos dos smartphones e iniciamos a entrevista no Tinder.
Matthieu Rego – Depois de 15 anos ao serviço dos videojogos, a BGamer anunciou o fim da aventura. O que levou a encerrar o projeto?
Rui Parreira – Vou dar-te a resposta mais curta, sem rodeios: falta de retorno. Para além de pagar a equipa, servidores, manutenção e todas essas despesas que todos sabem que um site tem, o site nunca foi construído para ser explorado comercialmente. O site foi construído para dar apoio à revista, para a promover, interagir com os seus leitores, e claro, oferecer conteúdos que complementassem as reportagens e artigos da revista.
MR – Para muita gente, o projecto BGamer acabou na sua publicação papel. Sentes que houve alguma falha de comunicação que dificultou a transição para o formato digital?
RP – Fazia todo o sentido que o site fechasse com a revista, mas ao contrário do que se possa pensar, a empresa decidiu dar uma oportunidade ao site, embora sem a luz verde para o adaptarmos às necessidades de ter de viver sem a revista. Sabíamos que era uma causa perdida, pois nem sequer tínhamos uma galeria para rentabilizar, tínhamos problemas técnicos devido à idade do BO, e outros, mas nunca baixámos os braços, tentámos transformar a jangada num bom iate! E toda a equipa sempre foi fã da BGamer, por isso o esforço era mútuo, não só eu, como o meu big Boss Rogério que teve um papel essencial no equilíbrio entre a equipa e direcção, como a Vanessa Dias e o João Canelo (fundadores do Glitch) a sangrarem das unhas para fazer o site manter-se em pé. Como tínhamos a exploração do GameOver, juntos os dois sites conseguiam o mínimo necessário, mas depois do Sapo cancelar o Game Over, a BGamer sofreu obviamente as consequências. E mesmo que passássemos a ser o site de videojogos do Sapo, como te disse, a BGamer não estava preparada estruturalmente para o incremento natural de tráfego. As estratégias podem agora ser contestadas, mas termos conseguido mantermo-nos por quase mais dois anos foi uma vitória. Só para completar, o que não faltou foi comunicação, pois sempre soubemos as regras do jogo. Deixa-me também dizer-te que a Goody sempre foi uma empresa focada em revistas de papel, capazes de gerar retorno a curto/médio prazo. O negócio do digital é uma espécie de bola de neve, muito lenta… Deves já saber isso muito bem. Eu sei, ando por aqui há 17 anos!
MR – Se tivesses que lançar o projecto no contexto actual, o que farias de diferente?
RP – Se eu tivesse o dinheiro e mandasse? Bom, não sei se te deva abrir o jogo, acho que ainda quero lançar um site de videojogos! Riso Bom, eu tenho alguns vícios, desde o tempo do PTGamers. Sou viciado em base de dados de jogos, tudo arrumadinho, editoras, capinha, etc. portanto, se eu pudesse, faria um IMDB de videojogos. Adorava! Conteúdos nunca apenas baseados em texto – adoro escrever, escrevo muito – mas agora não descartaria o vídeo. Com isto vem a minha maior frustração: fui a tantos estúdios e tive com tantos nomes na indústria e tenho muitos poucos registos de vídeo. Não sou burro?
silêncio constrangedor
MR – Consegues definir o perfil do leitor BGamer?
RP – Consigo. Devido à idade da BGamer, o “target” era mais adulto que muitas publicações e sites. Mas penso que sendo já uma espécie de cultura popular, todos conheciam a revista nem que fosse de nome. Acho que o leitor da BGamer era acima de tudo um bom apreciador de videojogos, altamente crítico e construtivo com os nossos trabalhos. Ainda hoje interajo com muitos deles.
MR – A revista teve um percurso impressionante. Qual foi, para ti, o momento que marcou o apogeu do projecto? Descreve-nos a BGamer desse período.
RP – Bom, essa pergunta não pode ser feita a mim, pois da sua longa história, eu apenas estou na BGamer há cinco anos. Mas posso dizer-te alguns marcos importantes que sempre tive noção, e que muitos ex-colegas partilhavam comigo. Termos conseguido, por exemplo, ter temas de capa de revelações exclusivo mundial, bem ao estilo da Game Informer. Acho que ainda aconteceu umas duas ou três vezes, acho que o primeiro The Godfather foi um deles. Portanto, penso que a revista conseguir manter-se em todas as apresentações a nível mundial, com os meios de elite, com muito poucas slots, é a prova do estatuto da revista.
MR- Falta sonho na tua descrição! Descreve-nos o cenário da redacção… As centenas de redactores, as mesas de ping pong, os ordenados…?
RP – A redacção da BGamer, o local iluminado com luz natural e cascatas a correr atrás de nós… ahh… Bastava estalar os dedos e caiam chocolates do tecto falso… hehe! Bom, como calculas, com tantos projectos ligados a jogos, quando cheguei à Goody éramos uns 7 ou 8, e já cheguei em fase decrescente, segundo me constou, pois eram ainda mais antes de mim. O pessoal adorava jogos, vivia de forma intensa esta paixão. O que eu mais gostava era o processo de reportagem – a viagem, a preparação, executar, regressar, planear a cobertura, discutir ângulos de abordagem, preparar os briefings para os paginadores, verificar o trabalho… Era óptimo! Não havia mesas de ping pong, mas nas instalações antigas, antes de eu entrar para a empresa, dizem que havia matraquilhos. Bolas, deixaram lá a mesa… Os ordenados sempre foram excelentes, como aliás, de qualquer jornalista português. Dos bons, claro!
MR – Qual é a tua melhor recordação da BGamer?
RP – Podia arranjar-te aqui uma resposta floreada, mas não tenho uma recordação em concreto da BGamer. O que mais adorava, falando da revista, era toda aquela adrenalina de construir do zero, despachar os conteúdos, planear os especiais, as viagens, os testes, e depois sentir a revista fechada. Quando fui à Pax East, ver o Heathstone na sua revelação mundial, trouxe para a redacção a expressão: job’s done, que passou a ser uma espécie de grito de guerra cada vez que um número estava fechado e submetido para a gráfica.
MR – Um dos aspectos mais característicos da BGamer era o seu jogo de oferta. Esse valor acrescentado sempre aparentou ser o segredo da vossa longevidade. Concordas com essa ideia?
RP – Quando estava de fora pensava: para que raio quero eu um jogo antigo, eu queria era ler a revista. Quando estava dentro, pensava, mas quem raio comprava a revista pelos jogos? E ficava indignado só em pensar no trabalho que nos dava ir aos quatro cantos do mundo, buscar uma capa ou artigos especiais e exclusivos, para uma pessoa comprar a revista pelo jogo… Mas de facto aprendi que sim, as pessoas compram jogos antigos (alguns bem merdosos), e se ainda lhes oferecerem uma revista de jogos, ainda melhor. Dois anos depois da revista acabar ainda temos mails de pessoas a dizer: comprei a reedição X, mas o jogo não funciona, ou quero activar no Steam e não dá. Ainda somos abordados por questões técnicas dos jogos. Portanto, respondendo à tua pergunta, sim, o jogo era um valor muito acrescentado. Mas nunca iremos realmente saber, porque não foi decidido lançar a revista sem o jogo, a ver a receptividade, portanto… Posso dar-te a ideia da Revista Oficial PlayStation, noutra editora antes da Goody, vendia muito, muito, muito, quando retirou o DVD das demos, a revista morreu… Acho que foi por isso… Mas quero manter alimentando o meu ego de que os leitores compravam a revista pelos meus textos! Riso
MR – Referiste o Steam. Sentiste que a plataforma afectou a atractividade do jogo gratuito? Sentiram isso nas vendas?
RP – Pelo contrário, os leitores gostavam era de activar todos os jogos no Steam. Até porque o Steam não oferecia jogos. Ou quando oferecia jogos não entregavam com o PDF de alguma revista! Riso Nunca associei ao Steam… Até porque o Steam é quase tão antigo como a BGamer… Faz lá as contas…
MR – Durante muitos anos as revistas de papel concretizaram o sonho de muitos jovens que pretendiam fazer carreira no meio. Ainda é possível viver do jornalismo “gaming” em Portugal?
RP – O que é jornalismo “gaming”? Também há jornalismo futebolístico, cinematográfico ou musical? Hoje em dia qualquer um pode abrir um blogue, um site ou qualquer meio para fazer jornalismo de “gaming“, é tudo uma questão de influência que tens sobre quem lê. Continuam a existir publicações profissionais de “gaming“, sites, leia-se, cujos jornalistas têm um ordenado por essa actividade, sendo por isso profissionais. Toda a minha vida se colocou essa questão quando eu dizia o que fazia: “isso dá dinheiro”? Eu respondo que não fico rico, mas pelo menos tenho um ordenado, e já faço jornalismo de videojogos profissionalmente desde 2005, há 11 anos portanto. Bom, fazia até há 15 dias. Agora sou apenas jornalista de cenas, e não de videojogos, no campo profissional! Riso Mas focando-me na tua pergunta, eu tive cinco anos a trabalhar por carolice no PTGamers, e mais quatro, quase cinco profissionalmente. Depois passei por várias publicações sempre ligadas a videojogos. Por isso, só o sonho, a vontade, a dedicação e sobretudo a paixão por esta indústria permitirão viver de jornalismo de “gaming”. Mas os tempos mudaram, o formato de consumo mudou, a foco do investimento é outro…
MR – Referes outros “jornalismos” no entanto todos continuam a ter uma publicação papel… Como explicas que os videojogos sejam dos únicos a não conseguirem manter uma revista?
RP – É estúpido não é? Acreditas que aqui ao lado havia uma editora com revistas de caça e de pesca? Nunca entendi, continuo a dizer que havia espaço para uma revista de papel (como deve ser) no mercado. Enquanto estiver na Goody vou acreditar que a BGamer regresse aos escaparates! Pelo menos vou sugerir isso sempre nos jantares de Natal!
MR – Que avaliação fazes do panorama actual dos videojogos no nosso país e sobre as pessoas que escrevem sobre o assunto?
RP – Sou suspeito em falar. Sobre o panorama actual de videojogos indústria de produção? Estamos sempre no “é desta, ‘bora lá”, mas o investimento é tão ridículo no nosso país que fico com pena do enorme talento que existe por cá. Somos um povo persistente, inventivo, e desenrascado, falta-nos o cacau… Sobre quem escreve? Poderia dizer-te que há muito boas pessoas a escrever sobre videojogos, não só a nível de conteúdos, mas principalmente ao nível de comentários. Sou fã de muitos anónimos (que nem sonham que sou fã) de simples comentários na BGamer, no Facebook. Cada post de opinião, que me ajuda a perceber, a discutir, a aprender e informar. É o poder da comunidade, este ping pong, esta interacção que me move. Mas há também os fanfarrões, os “posers“, os que de alguma forma se destacaram, ganhando notoriedade, sem sinceramente merecerem.
MR – Queres denunciar algum “poser“? O Drama é bom em termos editoriais.
RP – Ai sim? Ok. O Isaque. O Isaque criou o 2.0 só para promover as suas merdas. Alicia-nos a falar de videojogos e temas fixes da indústria, e depois pimba, no fim, quando menos espera tenta vender-nos um dos seus “Jams” e cenas para fazer videojogos e tal. E também o Ricardo Correia. Estava a pensar colaborar com o Rubber, mas depois, disse-me que o pessoal não ganhava tusto, nem aceitava viagens à borlix das editoras e tinha de devolver os jogos analisados, mesmo os digitais, então eu como quem não quer a coisa, desmarquei-me, e tenho-me feito esquecido…
MR – Tendo em conta a tua experiência, sentiste alguma promiscuidade entre criadores de jogos lusitanos e o meio jornalístico?
RP – Nada! Sério, os criadores de jogos lusitanos são tão naïves, que acabam em extremos: ora se abrem todos e abrem o jogo todo antes do tempo necessário; ora se fecham no secretismo absurdo como se tivessem nas mãos o Half-Life 3. Não têm. Na minha experiência foram diversas vezes que abordei, pedido códigos para divulgar, falar dos projetos, informar… E nada de resposta. Noutras foi o contrário, éramos abordados para ajudar a divulgar o projecto. A minha postura sempre uma: de sinceridade e honestidade. Elogiar quando era merecido e criticar quando era necessário. Mas sempre, informando os leitores e eventuais interessados nos jogos portugueses. Lembras-te do meu artigo “As dez coisas mal feitas de Hush” ou algo assim, que incendiou a internet? Não Onde está o jogo agora? Já passou quanto tempo? Felizmente o próprio estúdio foi o único politicamente correto a aceitar as criticas e a propor-se corrigir os mesmos, começando pela rapidez com que enviou um código para o testar. Tanto quanto sei está a ser reconstruído.
MR – Quais são os teus projectos para o futuro?
RP – Lembras-te do Speedball 2? Lembras-te dos efeitos sonoros? Não? O tipo que gritava algo como “Splitscreen! Splitscreen!”.
https://www.youtube.com/watch?v=FAozgz3fLQk
Esta vai ser a minha prioridade no futuro no que toca a projectos amadores relacionados com videojogos. Obviamente que estou aberto a qualquer protejo que surja para ajudar os meus amigos quando for necessário. Profissionalmente estou agora envolvido em algo totalmente novo para mim, um desafio brutalíssimo: projectos baseados em Realidade Aumentada!
MR – Frango assado na brasa ou no forno?
RP – Desde puto sou maluco por franco assado, no churrasco, com molhinho picante e claro, muitos pickles. Gosto muito da parte do peito, porque tem mais xixa e é fácil comer. Nunca fui adepto de chupar os ossos, por isso deixo as patas para a minha filha e as asas para a minha mulher. Elas também não gostam do peito, portanto é win-win. Deixa-me que te diga que embora muitos defendam que comer frango assado é com as mãos, eu nunca lhe meto as unhas, sempre com faca e garfo, porque não gosto da gordura nos dedos. Detesto ver pessoas a chupar os dedos, como se fossem rajás. Já agora, se tiveres interessado, conheço uma churrascaria em Agualva, o Euro Frango, que é uma maravilha, sobretudo as batatas fritas, que são tipo pala-pala mas caseiras. Vejo sempre a senhora a descascar batatas com um desempenho tal, que penso que foi talhada para aquilo. Mas não me admira, descascar batatas tem as suas técnicas, não podes cortar a casca muito grossa, porque desperdiças muita batata. Já imaginaste quantas pessoas daria para alimentar se fizesses um puré com toda a batata desperdiçada que vai agarrada na casca? O IKEA aproveita bem, e faz puré com almôndegas suecas que são muito boas. São muitas as vezes que vou ao IKEA naquela de ver cenas para a casa, mas é sempre ali perto do almoço e jantar, e pimba, lá vamos nós às almôndegas. Na última vez comprei as prateleiras para o escritório -pois aquilo parece mais uma arrecadação- A minha mulher andou-me a chatear para arrumar aquilo e levar para lá o estaminé que tenho na sala (computadores e consolas), pois diz que não é sitio para montar um estúdio… Só ainda não descobri se no menu CBO do McDonald’s, o frango é frito ou braseado, mas é o que como sempre, é tipo o peito.
acordo
MR – Qual é o teu animal espiritual?
RP – O Bacalhau.
MR – Numa escala de 3 a 34, como classificarias o nível de estupidez dos conteúdos do Rubber Chicken?
RP – 33. Ainda vos falta um “bocadinho assim” para chegarem ao nível do Ron Gilbert… Mas está quase. Continuem a convidar estes entrevistados e chegam lá bem rápido!
MR – Obrigado Rui!