O acto de jogar um videojogo e o prazer que daí advém passa pelo escapismo associado a vivenciar uma outra realidade, em que toda uma panóplia de novas oportunidades e opções passam a estar ao nosso alcance. Mas, para além disto, de uma forma ou de outra, há uma sensação de desafio.

Antes das modas dos troféus e achievements, os mesmos eram estipulados por nós próprios, com objectivos como vencer um boss sem sofrer dano ou concluir um nível (ou o próprio jogo) o mais depressa possível. Agora que estas novas valências marcaram a sua presença e a sua vontade de ficar, tudo ganha uma outra proporção.

A implementação de troféus acaba por não ser mais que um reforço desta ideia já referida de nos desafiarmos a nós próprios, e é aí que eles brilham… literalmente. A própria denominação contém algo de extasiante, principalmente quando subimos o pódio em busca da almejada platina.

Claro está que alguns títulos são mais generosos que outros na concretização desta demanda, com as criações da From Software a destacarem-se pelo seu grau de dificuldade e pelo desafio que lhes é inato. Enquanto que, por exemplo, o aclamado Assassin’s Creed 2 é uma platina praticamente obrigatória na prateleira virtual de qualquer jogador que o tenha na sua colecção.

Mas quão benéficos são os troféus para a saúde de um videojogo? Aqui ficam as minhas opiniões como humilde caçador de troféus:

Pró Nº1 – Revisitar o videojogo uma e outra vez

Muitos troféus de platina requerem vencer o mesmo título nos vários níveis de dificuldade, alguns dos quais só se tornam disponíveis após uma primeira conclusão.

Aqui podemos juntar os coleccionáveis, que nos obrigam a explorar com atenção redobrada o nosso ambiente enquanto os caçamos (a não ser que estejamos a receber o auxílio de um qualquer guia), e assim esmiuçar a experiência até ao tutano.

Pró Nº2 – Experimentar uma nova forma de jogo

Por vezes temos que mudar as novas ferramentas de eleição, seja usando diferentes combinações de habilidades, derrotar um certo número de inimigos com outros tipos de armas, ou simplesmente experimentar um playthrough totalmente diferente.

Neste último ponto podemos referir a franquia Metal Guear Solid e outros títulos como Deus Ex e Dishonored, que exigem abordagens tanto completamente pacifistas como caóticas.

Pró Nº3 – Desenvolvimento pessoal

Nos dias que correm, cada vez mais se houve falar em gamification e do quão benéfico jogar pode ser para a aquisição de novas competências e desenvolvimento de outras já adquiridas.

Perante a diversidade de desafios que nos são propostos para obter este troféu, é necessário ser versátil e ter uma boa capacidade de adaptação, bem como uma generosa resistência à frustração e, sem sombra de dúvida, uma grande capacidade de foco e de concentração.

O CV do futuro?

Juntar e implementar estes pontos permite-nos retirar muito mais da experiência, do tempo e até mesmo do prazo de vida de jogo. Mas e depois de tudo isto, o que resta? Pois bem:

Contra Nº1 – Aqui jaz

Quando varremos um videojogo a pente fino, maximizamos cada stat, recolhemos todos os artefactos e derrotamos os mais poderosos dos inimigos, o que é que resta? A própria platina acaba por, de certa forma, indicar que não há mais nada para fazer naquele título. Quanto muito, podemos voltar às origens e estipular os nossos próprios desafios.

Contra Nº2 – Ninguém tem tempo para a imersão

Os videojogos têm crescido como uma nova forma (se não “a” forma) de contar histórias, dando agência ao jogador, que avança com a narrativa ao seu ritmo e molda-a consoante a sua vontade (principalmente no que a RPGs diz respeito). Há incontáveis títulos arrebatadores com histórias ricas em momentos marcantes… que vão perdendo o impacto com a quantidade de vezes que são presenciados. Inclusive, podem ser vistos como um estorvo caso estejam a bloquear o caminho entre o jogador e o próximo troféu.

Contra Nº3 – Um grito de nostalgia

Perante isto, a única razão pela qual acabaremos por pegar nestes títulos em que cravámos os nossos estandartes no mais puro sinal de conquista, é simplesmente porque há uma certa vontade de os revisitar. E como é de uma visita que se trata, o mais provável é não abusarmos da nossa estadia.

Em suma, caçar troféus é uma excelente forma de tirar mais dos videojogos que comprámos, e podemos então erguer os espólios das nossas vitórias bem alto para que todos vejam o que fomos capazes de fazer. Mas, em contrapartida, acabamos por extinguir o seu prazo de vida, deixando-o à deriva nas marés da incerteza.

Posso estar errado, mas nunca mais me dediquei a um jogo que tenha platinado. Experimentei voltar ao primeiro Prototype meses depois de conseguir a platina e não consegui jogar mais de 10 minutos. Assim que platinei o primeiro inFAMOUS a minha vontade de querer continuar a jogar desceu drasticamente. Horizon: Zero Dawn apresenta um dos mundos mais ricos que podemos explorar, e apesar de haver uma vontade experimentar um New Game+, é algo que acabo por não fazer. Tanto o God of War 3 como o novo God of War constam na minha galeria e nunca mais lhes dei atenção. Mais recentemente concluí a minha caça em Bloodborne e não sinto uma razão para regressar a Yarnham, e o mesmo se aplica a Rapture e a Columbia com a trilogia Bioshock.

Ao fim do dia, comprova-se que é mais importante a viagem do que a fatalidade do destino.