Eu fui um dos afortunados por ter tido a Nintendo 64 logo nos primeiros dias do lançamento, muito por conta do meu pai ainda ter uma relação de amor-ódio com o Super Mario e Tetris, e por isso o Super Mario 64 esteve nas minhas mãos desde daquele 1 de Março de 1997. Não só por isso, como também foi oferecido sobre o pretexto de prenda de aniversário do meu irmão que faria anos passado uns 14 dias depois.

De todas as formas, toca a enfiar o barrete vermelho, ligar a Nintendo 64 e… perder mais de meia-hora a brincar com a cara do Mario, esticando-a para os lados, e de todos os feitios e formas. Depois lá eu e o meu irmão ultrapassámos os gráficos de ponta do ecrã de abertura e começámos a explorar o castelo da princesa Peach, em busca das estrelas, mistérios e, claro, Bowser.

Vários anos se passaram e o Super Mario 64 foi ganhando pó, primeiro numa gaveta após uma primeira mudança e depois na arrecadação da casa dos pais quando se mudaram pela segunda vez. Outros jogos vieram, consolas também e… bem, quase tudo se desvaneceu menos a noção do impacto do Super Mario 64 teve para mim enquanto jogo decisivo para gerações futuras.

Até que chegou este Março de 2024. Depois de ter (finalmente) jogado o Final Fantasy 7 Remake – e de ter falhado miseravelmente em conseguir o platina – precisava de algo para descansar e decidi olhar para o emulador oficial da Nintendo 64 disponibilizado pela Nintendo.

Tentando nem sequer olhar para o Ocarina of Time ou Majora’s Mask, que já os joguei mais do que tenho coragem de dizer, prendi os meus olhos naquela carinha redondinha do Mario e pensei “Bem, isto é só para brincar umas horas. Nada sério.”. Aquilo que parecia vir só a durar umas três ou quatro horas acabou por se alongar em… mais de vinte horas.

O único pensamento que me ocorre agora sobre o Super Mario 64 é: ainda se mantém como uma das maravilhas dos videojogos. Sim, não tem open-world; sim, não tem gráficos realistas ou completamente polidos; sim, tem uma jogabilidade que às vezes parece como pegar numa enguia completamente encharcada em gordura e vaselina; mas ainda assim é tão bom.

Aquilo que começou por uma brincadeira ocasional de visitar um ou dois mundos tornou-se um vício em conseguir ter as 120 estrelas, descobrir todos os segredos, perceber se o Yoshi estar no topo do castelo é uma mentira (lamento, por mais que veja mil vídeos no Youtube, só acredito quando colocar os os meus olhos em cima!) e fazer algo que não fiz quando era miúdo: terminar o jogo devidamente.

E aí deu-me o clique. Como é que não me lembro se acabei devidamente o jogo em 1997 (ou por aquelas datas)? Como é que me lembro de frente para trás dos finais do OoT, Majora’s Mask, Link to the Past, Suikoden, Metal Gear, Star Fox 64, Final Fantasy VII, etc? Sem entrar em historietas da treta, é que não sei. Todos os jogos que citei têm uma narrativa, uma estória, um conto, enquanto o Super Mario 64 é mais estilo “missão a missão” e “já dominaste as profundezas da água, mas e se agora fosses ao deserto?” ou “olha para este nível, tem o monstro do Loch Ness!”, não tendo uma linha de continuidade dura ou inflexível. Apanhamos 20 estrelas e desbloqueia uma sala; apanhamos mais 50 e abre-se outra sala para andar à pancada com o Bowser; capturamos 70 e temos direito a ir ao round 3 e final com o chefão dos koopas.

É isto. Simples, directo e não deixa de ser uma viagem alucinante. Eu sou filho do ainda mais velhinho Super Mario Land, em que as pirâmides e o deserto eram em 2D, mas à conta da música imaginava aquilo em 3D. Já no Super Mario 64 pude ver em 1997 e, agora, em 2024 ver o esplendor da imaginação de quem desenhou o jogo na Nintendo, mantendo-se fiel à alma daqueles mundos mas agora carregados de outra genica tecnológica.

Mais, quando achamos que já vimos tudo e que nada no passado nos surpreende, o facto de neste Mario de 1997 puder fazer um wall jump sequencial abriu-me os horizontes. Talvez foi por isto que não me lembro de terminá-lo em 1997… porque não tinha jeitinho nenhum para a jogabilidade, desesperando na gelatina dos movimentos do canalizador de bigode carregado ou no não saber bater numa parede para saltar na direcção de outra com sucesso.

E por falar em paredes… como raio é que um miúdo de 10 anos ia adivinhar o que significava: “Blast Away the Wall” no nível de Whomp’s Fortress? Mas qual parede? Qual? Tive de ir a um guia para descobrir e isso coloca o Super Mario 64 dentro do mesmo patamar que um soulsborne.

Fascinei-me com os diferentes mundos, desde ter de ficar em mini-Mario ou mega-Mario, de me habituar a voar ou a atravessar certas paredes, de descobrir cantinhos escondidos e impensáveis. A cada hora que passava, parecia que só tinham se ido uns vinte minutos, e isso, isso é uma demonstração do brilhantismo de Super Mario 64.

O ponto que aqui quero fazer é que… demorei quase 30 anos a dar o mérito e o carinho que este Super Mario 64 merece. Às vezes só damos valor a certas coisas quando o momento passou – e atenção que eu não sou daqueles sujeitos que gostava de voltar à minha infância ou juventude, deus me valha voltar a ir para a escola ou a dividir a televisão com os meus pais –, mas felizmente ainda posso clicar num par de botões e regressar ao universo da Nintendo 64.

O ter acesso às bibliotecas de jogos de diferentes eras é fulcral para o nosso futuro, e graças ao Super Mario 64 redescobri como em 1997 a Nintendo desafiou vários elementos do mundo dos videojogos, e é por essa mesma razão que a casa de Kyoto (e todas as outras) têm de repensar a forma como mantêm o seu passado vivo e acessível.

Ah, um ligeiro update final: não, ainda não apanhei as 120 estrelas. Vou em 101, apanhei estrela de 100 moedas (bela dorzinha de cabeça), descobri truques, dei uso a canhões, etc. Mas vou lá chegar, acredito. Depois aviso se encontrei o Yoshi. Continuo a achar que é fake news…