Chamem-me louco, mas tenho vários motivos para argumentar a escolha de Thumper, o recente jogo de ritmo da Drool, como o melhor que se fez na indústria dos videojogos em 2016. Podem não ser os melhores motivos para aqueles que procuram um bom enredo ou um Stadium Events, com muita variedade de gameplay, mas é, mais que qualquer outro jogo deste ano, aquele que mais consegue ser aquilo que quer ser. É o jogo mais esférico e bem polido que me lembro de jogar nos últimos anos e certamente um must play para qualquer entusiasta dos videojogos. A questão é: “Porquê?”. Como é que um jogo que pouco mais trás além do que um jogo mobile poderia trazer consegue ser tão relevante e tão inovador mantendo-se fiel às suas origens e ao mesmo tempo trazendo uma jogabilidade tão consistente e profunda que mantém uma tabela de pontuações máximas tão competitiva?

Comecemos pelo início: trouxe no dia 17 de Outubro ao presente site uma visão precipitada de alguém que só conseguiu ver aquele jogo à frente até o acabar. Deixando o jogo amadurecer (não só na minha opinião sobre ele, mas também com os updates que recebeu) acho que tenho uma noção mais clara do que este jogo tem e não tem para oferecer aos vários tipo de pessoas, no que inova e no que traz de verdadeiramente surpreendente à mesa, ao ponto de o considerar talvez o melhor jogo do ano (o artigo inicial defendia essa tese, mas estando a terminar este artigo exactamente depois de terminar o The Last Guardian, é necessário mais um pouco de reflexão). Se for relevante para algum dos leitores (para contar como pontos de imparcialidade), infelizmente não recebemos uma cópia para analisar Thumper, adquiri a versão de PlayStation 4 (que tem suporte PlayStation VR, do qual falarei neste artigo) mas também se encontra disponível para Windows no Steam pela módica quantia de 19,99€.

Drool é uma equipa de dois antigos trabalhadores da Harmonix (empresa responsável por franquias como Amplitude e Rock Band), Brian Gibson e Marc Flury. Enquanto Brian trabalhou na arte, música e Marc no código (construindo o engine e encarregando-se de questões mais técnicas) ambos desenharam o jogo durante um período de sete anos e prometem suportá-lo o melhor que conseguirem no futuro. Desde o lançamento pequenos acréscimos à estética do jogo e um modo novo para aqueles que já completaram os nove níveis de várias dezenas de minutos cada um, o Plus Mode duplica a longevidade do jogo para aqueles que adoraram o modo principal e querem voltar para maiores e mais complicados desafios, mas consiste apenas nos níveis do modo clássico com vários twists.

Drool: Brian Gibson & Marc Flury (esq. para dir.)

Como já foi dito, tanto aqui como no artigo anterior, Thumper conta com nove longos níveis. E aquilo que o distingue dos vários jogos de vídeo é o facto de ter uma aprendizagem orgânica super minimalista. Com isto quero dizer que todas as pessoas a quem mostrei Thumper não precisaram de qualquer introdução (e por aquilo que explico à frente não vou entrar em detalhe quanto às mecânicas, terão mesmo de o jogar para isso), bastou ligar o jogo no primeiro nível, passar o comando e a pessoa não só aprende a jogar como compreende o jogo e a linguagem necessária para se auto-instruir, não nas suas mecânicas essenciais (todas essas são ensinadas através de, no máximo, uma mão cheia de palavras e símbolos – o que por si só é extremamente elegante), mas no quão bem sucedido podemos vir a ser em cada nível. Exemplificar seria degradar a experiência daqueles que não jogaram, da mesma forma que o farão se forem à procura de explicação das mecânicas na internet. Eu não precisei, mais que isso, nem precisei das conseguir explicar a mim mesmo, bastou compreender através das coisas que via, ouvia e experimentava sem ser necessário qualquer, qualquer tipo de erro.

*clap, clap, clap!*

A melhor forma de explicar a relevância sem revelar demasiado é com uma comparação. 2016 foi um ano magnífico para os videojogos e uma grande surpresa (e definitivamente um dos meus jogos preferidos para este ano) foi The Witness, segundo jogo do autor Jonathan Blow. A diferença de The Witness para Thumper no que toca ao desenho da aprendizagem é que The Witness, para grande parte das mecânicas introduzidas, não consegue deixar de recorrer ao fracasso e ao paradigma de tentativa erro para nos explicar como o jogo funciona. Thumper pode dar o empurrão inicial para as mecânicas necessárias para haver progresso, mas toda a compreensão e raciocínio que têm de ser feitos para conseguirmos dominar o nosso besouro do espaço é feito on-the-go, a sei lá eu quantos quilómetros por hora e a um ritmo frenético, onde domina a tensão e exigência. E num cenário inundado nesses objectivos é incrível não só como conseguem abrir espaço para experimentação para o jogador curioso conhecer os cantos à casa. E ainda assim respeita o jogador, premiando com tempo e espaço para o jogador descomprimir depois de secções demasiado longas e tensas.

The Witness – Apesar de lindíssimo e cheio de boas lições de game design, menos elegante no núcleo da sua jogabilidade.

Esteticamente o jogo fala por si, na verdade, poderia escrever várias linhas sobre o poder visual de Thumper que nunca conseguiria aproximar-me da simplicidade e histeria comprimida não só nos enfeites que rodeiam a pista que nos encontramos, como na sensação de velocidade e adrenalina que os jogo nos proporciona. Deixo abaixo um vídeo de gameplay onde vinte segundos será o suficiente para compreender o valor estético. E o produto final obviamente que beneficia desta simplicidade mas, ao mesmo tempo, uma aberração quando comparado a todos os videojogos alguma vez vistos.

https://youtu.be/TKdSL1zru3U?t=4m10s

A banda sonora vai ao encontro da componente visual. Na verdade, grande parte do jogo parece ter sido desenhado de forma a que as acções do jogador tenham o maior impacto e feedback possível (distinguindo-o automaticamente de jogos de Mizuguchi, como Rez, Child of Eden ou Every Extend Extra) fazendo com que, em vez de estarmos a acompanhar música de fundo, pareça que somos na verdade a verdadeira força condutora de toda a musicalidade que possa surgir dos vários “booms, swigs e thumps“. E por isso o jogo denomina-se como jogo de ritmo por falta de melhor categorização: existe um contexto, não só para as mecânicas, mas também para o folclore. O jogo acaba por se desenrolar sobre estes e não sobre uma lista de várias faixas musicais diferentes, ou a história de um cachorro de duas dimensões com um gorro laranja que nos obriga a carregar em botões específicos através de símbolos que aparecem no ecrã. Não, aqui o jogador controla uma personagem e ajuda-a a chegar a um lado que nunca irá chegar (maybe spoiler?) e o ritmo ou a música têm um papel essencial, mas não relevante para o contexto introduzido.

A perspectiva do jogo através das lentes do PlayStation VR.

A integração do PlayStation VR é acima de tudo um novo take no jogo original. Todo o jogo é jogável com o aparelho de realidade virtual, no entanto, utilizá-lo oferece, acima de tudo o resto, uma forma diferente (e entenda-se, não estritamente melhor) que numa televisão, uma vez que tudo fica significativamente mais próximo do nosso rosto: o besouro fica directamente à nossa frente e a um tamanho semelhante ao nosso tronco para a frente inclinado e os obstáculos deixam de ocupar uma posição mais acima para ocupar uma posição mais profunda, mais em frente e menos para cima. Tudo está mais próximo e por isso também achei mais fácil de jogar uma vez ultrapassada a fase de habituação. A resolução é razoável e o framerate bastante satisfatório, apesar de ter reparado em ligeiras quedas de frames em alturas extremamente específicas num ou dois níveis, no entanto, em nada põem em causa a jogabilidade por estarem em secções isentas de obstáculos. Foi testado numa PlayStation 4 clássica, o desempenho da experiência VR na PlayStation 4 Pro é, tanto quanto me é possível dizer através de pesquisa, superior. E aproveitando esta pequena janela para falar da PlayStation 4 Pro, é dos poucos jogos disponíveis que correm a 4K nativo e sessenta frames por segundo.

O gracioso besouro do espaço que acelera por túneis de neons que podiam estar em tunings regulares na ponte Vasco da Gama.

Thumper é um game changer para os jogos de ritmo por não se debruçar sobre uma linguagem extremamente dependente de símbolos que não têm qualquer valor semântico além do seu carácter funcional (que é sustentar um jogo de ritmo), linguagem essa que não foi estabelecida “à bruta” através de textos e diagramas explicativos. E mantém-se fiel a isto até ao último momento, não se ficando por aí e gerando espaço para aprendizagem através da experimentação sem insucesso para o jogador. Não encontrei bugs nem tenho rigorosamente nada a apontar, se tivesse sido eu a fazê-lo estaria exactamente igual ou pior e tenho muito gosto que exista! São muito poucos os dias que não joguei Thumper desde que saiu, e um jogo que consegue fazer isto recorrendo ao mesmo número de inputs que um joystick de um Atari 2600 é não só extremamente surpreendente, como incrivelmente elegante. Não só os sete anos de desenvolvimento acusam na qualidade final do produto, também todo o interessante relatório relativo ao processo criativo disperso por toda a internet. Muito provavelmente o meu jogo do ano, definitivamente um dos meus jogos preferidos sempre.