Quando temos grandes nomes da indústria a declarar que não há mercado para jogos de terror, é bom ver que não só há quem acredite no oposto, como também trabalham arduamente para provar que estão errados. Tal é o caso com Honor Code, Inc e o seu Narcosis.

Narcosis é um jogo de terror do género de survival horror mas é diferente na forma como o aborda. Aqui não temos que nos preocupar com zombies, estranhos monstros ou quaisquer outras entidades imperceptíveis perante as nossas pequenas mentes. Em Narcosis, nós assumimos o papel de um mergulhador industrial que durante um mergulho no Oceano Pacífico, e depois de uma série de tremores de terra que causaram o caos no seu centro de operações, se vê a tentar encontrar sobreviventes e regressar à superfície. Estamos no fundo do oceano, dentro de um fato de mergulho de meia tonelada, com uma limitada reserva de oxigénio, uma pequena faca e uma série de sinalizadores. Com o pouco que temos, cabe-nos a nós conseguir lidar com a fauna que nem sempre é amigável, e, consequentemente, sobreviver.

A premissa é esta, e com isto fora do caminho, vamos falar da execução.

Primeiro, a jogabilidade e o ambiente estão de mão dada, complementando-se mutuamente. O nosso movimento é lento e pesado, o que faz sentido, uma vez que estamos dentro de um bruto fato de mergulho, e o nosso campo de visão está limitado pelo nosso capacete que, na maior parte das vezes, capta apenas a escuridão das profundezas. Por norma, o som com que nos familiarizamos inicialmente é o dos nossos próprios passos, seguindo-se o da sinistra banda sonora que é inteligentemente implementada, permitindo uma maior e melhor imersão; e terminando com os ruídos dos animais com que nos vamos cruzando.

Pegando no nosso pequeno arsenal, rapidamente concluímos que combater não é propriamente uma boa primeira opção. Há animais que simplesmente são imunes à nossa pequena faca e os propulsores do nosso fato agilizam o nosso lento movimento durante breves segundos até poderem ser usados novamente. Já os nossos sinalizadores permitem-nos não só iluminar o túnel sem fim onde nos encontramos mas também distrair os oponentes mais susceptíveis.

É claro que tudo é finito, principalmente o recurso mais importante e que nos mantém vivos, a nossa reserva de oxigénio. Com o passar do tempo, vamos gastando a botija que está ligada ao nosso fato, e gastamos mais depressa o seu conteúdo quando nos deparamos com eventos traumáticos ou simplesmente estranhos.

À medida que vamos progredindo, vamos encontrando o que resta da nossa tripulação, e assim que o fazemos, rapidamente somos notificados que estamos a consumir excessivamente oxigénio. Mas não são apenas os corpos dos nossos colegas que encontramos, mas, muito possivelmente por força do stress e da privação quase constante de oxigénio, vamos dando de caras com situações no mínimo estranhas que vão desde observar fatos de mergulho ambulantes desprovidos de ocupante, a ouvir um telefone fixo a tocar no fundo do oceano.

jump scares, sim, mas não são uma constante ao ponto de nos fazer revirar os olhos de enfado. São poucos mas bons, ajudando a enaltecer a questão do quão real é o que estamos a presenciar.

Com a nossa progressão, somos acompanhados por um diálogo que vai descrevendo o que presenciamos e que nos vai dando algumas luzes quanto ao nosso futuro assim que escaparmos deste pesadelo submarino.

E enquanto deambulamos pelos escombros e encontramos os nossos colegas, vamos recolhendo a sua identificação e alguns dos seus pertences. Acabam por ser estes os collectibles do jogo, e permitem-nos ver qual é que era a nossa relação com cada um deles antes de isto acontecer.

A nível de duração, a experiência é relativamente curta, apontando para uma média de três horas, sendo o ideal para quem não tem muito tempo para jogar. Contudo, é na duração e no espaçamento que encontro o maior inconveniente. Na eventualidade de morrermos, ora porque nos deparámos com um oponente contra o qual não podemos fazer nada ora porque demos um salto mal calculado, regressamos ao que pode ser o início do capítulo em que estamos, sendo necessário refazer tudo novamente. Não é um inconveniente à jogabilidade, mas sim à imersão, podendo a experiência ser severamente corrompida assim que o processo se torna mais numa chore do que numa busca pela descoberta.

Fora isto, Narcosis é um jogo com potencial e que mostra que o terror ainda tem muito para dar. Desde o ambiente claustrofóbico à incerteza das profundezas e do absolutamente estranho, tudo reforçado por uma narrativa sublime e uma banda sonora (com a colaboração do compositor Akira Yamaoka, que trabalhou nos jogos de Silent Hill, adorados aqui por yours truly) que une todos os pontos, Narcosis é um jogo que merece ser experimentado, principalmente por aqueles que se atrevem a olhar para as profundezas do abismo.