Um por todos e todos a…Transmorfar!

Próximo que está o primeiro aniversário da mais recente consola doméstica da Nintendo, a Wii U, e perante a necessidade imposta pelo mercado de aumentar (em número e qualidade) os títulos exclusivos do seu catálogo, foram lançados recentemente alguns jogos, dos quais este Wonderful 101 faz parte, que provam que o que difere esta consola da sua antecessora não é apenas a letra U.

Os videojogos, enquanto manifestação artístico-criativa, só recentemente começaram a desenvolver (e a devolver) uma identidade autoral aos seus criadores. Falamos do cunho, da impressão pessoal que une o autor e a sua obra, e que a transporta para o público. Se já é possível definir uma série de correntes estético-conceptuais na área dos videojogos, também é cada vez mais simples conseguir distinguir o trabalho de diversos autores. E esse é o caso Hideki Kamiya, criador de Viewtiful Joe, Devil May Cry e Bayonetta, mas que obteve o grande reconhecimento público através do genial Okami. E se esta definição autoral existe, então é facilmente apontável a Wonderful 101 a sua existência como somatório das anteriores criações de Kamiya, adicionando a essas fórmulas uma aura tokusatsu. Aliás, é pacífico reconhecer-se o jogo simultaneamente como uma homenagem/inspiração nesse fenómeno nipónico, recaíndo porém num espírito de paródia, elevando ao extremo as reminiscências over the top de séries famosas como Super Sentai (os Power Rangers japoneses originais) e Kamen Rider.

A premissa do jogo é simples: temos sob o nosso controlo uma centena de super-heróis que defendem o futuro da Humanidade perante uma invasão alienígena. Esta super-equipa é constituída por pessoas normais, os ditos average joes, que utilizam um dispositivo que lhes permite invocar super-poderes fornecidos por fatos cibernéticos, ao bom e velho estilo tokusatsu. O grande ponto conceptual que distingue esta centena de heróis é a aplicação do conceito de união como mecânica de jogabilidade e como ferramenta narrativa. A eficácia individual de cada personagem é notória, mas é a materialização da frase celebrizada por Alexandre Dumas, “Um por todos e todos por um”, que lhes permite a amalgamação dos seus corpos em Unite Morphs: a capacidade de se fundirem num punho gigante, numa espada, num canhão, entre muitas formas que vão sendo “aprendidas” (e apreendidas) à medida que conhecemos novos personagens e que nos vão permitindo diversificar o combate e resolver puzzles.

Do visual quase chibi trazido de Viewtiful Joe, passando pelo frenetismo button mashing herdado de Bayonetta, passando por uma lógica de sketching e materialização no Wii U Pad como o emblemático Okami, com alguns laivos de outros jogos históricos que decerto compõem a memória viva do autor como Super Punch Out! e Panzer Dragoon, tecendo um jogo que numa visão apríoristica aparenta não ser equilibrável, mas que teve neste Wonderful 101 uma execução verdadeiramente Maravilhosa!

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Argggg! Um murro mesmo nas….

 

Apesar do risco acarretado pelo peso da repetição num jogo como este com acção constante e non-stop, a qualidade narrativa, apesar de simples, revela ser o fiel da balança que equilibra esta criação da Platinum Games. E é na fusão de todas as (diversas) mecânicas presentes em Wonderful 101 que se infere sobre a possibilidade deste jogo ser o corolário de tudo o que o autor experimentou do ponto de vista criativo nos jogos que produziu anteriormente.

Num tom essencialmente humorístico e muitas vezes auto-jocoso, num espírito de fusão entre o humor de sitcom e Super Sentai, as linhas de diálogo e as subtilezas de algumas punchlines permitem-nos usufruir ao máximo de uma storyline linear e previsível. A utilização quase abusiva dos estereótipos na construção dos personagens permite incutir-lhes uma aura marcante e facilmente assimilável, tendo para mim o seu expoente máximo no Wonder Green, o super-herói francês que fala a língua inglesa acentuadamente demarcada por Rs, rechonchudo e de baguete na mão, sempre na companhia da sua fiel espingarda de franco-atirador, Christine Daaé (o nome da protagonista do romance “Phantom of the Opera” de Gaston Leroux).

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Omelette du fromage!

 

Mas mais do que tudo é o perfilamento mais over the top, com momentos em que combatemos vilões de dimensão (física) de nível planetário com um mecha, num combate de pugilismo de notória inspiração na jogabilidade na terceira pessoa e métodos de ataque e defesa de Super Punch Out!, até a algumas sequências de shooting on rails a relembrar um Panzer Dragoon sci-fi.

A criatividade e originalidade dos personagens que conhecemos, desde cada um dos elementos dos Wonderful 101, até aos diversos aliados, inimigos e bosses, com todas as suas naves, mechas, monstros, estão construídos com uma qualidade visual exímia, servindo como óptimos exemplos de coerência e diversidade de concept art dentro do mesmo título. Mas é o espírito e a personalidade que cada um dos personagens é imbuído que lhes dá a sustentação e a capacidade de stand-out: tarefa difícil num jogo com literalmente centenas de personagens.

Infelizmente para todo o poder inventivo do jogo, da originalidade dos seus personagens ao design dos níveis e secções de combate, acaba por ser manchado por uma câmara dinâmica não-controlável que tanto nos faz perder o caminho a prosseguir, como a perda do nosso personagem no meio de centenas de tantos outros (aliados e inimigos) que preenchem o nosso ecrã. Acabando muitas vezes por serem as más decisões de automatismo e colocação da própria câmara a justificação de algumas perdas de vidas em secções de plataformas, ou apenas a perda de rumo na progressão do próprio jogo.

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A chicotada não-psicológica

 

Mas Wonderful 101 apresenta-se sem sombra de dúvidas como o grande aproveitamento das funcionalidades/capacidades da Wii U. Faz-nos também pensar de forma retroactiva que Okami teria na Wii U a sua plataforma nativa. E percebemos que os Unite Morphs, controlados numa fracção de segundos com formas traçadas com exactidão no touch screen, ou através do controlo do analógico direito, como uma das mecânicas melhor conseguidas para a união deste título com a consola para a qual foi desenvolvido.

O melhor: a criatividade que cerca todo o jogo, as variadas mecânicas que o compõem e a diversão inerente ao jogo e à sua narrativa.

O pior: a câmara muitas vezes descontroladas, em especial nos momentos na primeira pessoa apresentadas no Wii U Pad, a ligeira repetição a que os sucessivos combates obrigam.

Wonderful 101 foi um dos jogos que mais expectativa criou em torno do catálogo da Wii U e acabou por afirmar-se como um dos seus títulos obrigatórios. É um jogo que requer mais do que um playthrough para a sua masterização e aproveitamento real do desafio que o jogo nos apresenta. E é sem qualquer dúvida um jogo honesto, até ao nível do próprio título: estamos perante uma verdadeira Maravilha exclusiva da Nintendo.

8

Sobre as análises e sistema de classificação

 

Wonderful 101 é um exclusivo Wii U.