Há um certa calmaria em sabermos que estamos derrotados. Saber que não existe algo para lutar no momento liberta-nos das tensões, tirando-nos um peso dos ombros como um Atlas que pousa por fim o globo no chão e vai embora. Mas essa consciência de que nada há para fazer mais é libertadora e revigorante, ainda que melancólica. Pensem nas vossas vidas. Imaginem-se a correr para apanhar um autocarro, com o coração aos pulos no peito, acabando por perdê-lo no último segundo. O vosso ritmo cardíaco desacelera quase automaticamente, param de imediato a vossa marcha e a tensão parece esfumar-se pelos vossos poros. A calma depois da tempestade que revela os céus por trás das nuvens.

Se apalparmos a atmosfera da conferência da Microsoft nesta E3 é isso que sentimos, que não existe ninguém dentro ou fora da Xbox que não saiba que a guerra da geração actual está mais que perdido. É feita a vénia à hegemonia dos vencedores e reconhece-se a glória aos vencidos. O autocarro partiu e já não temos de correr mais. O resto é silêncio.

Se o desespero da prestação da Xbox na E3 2017 era palpável, com o seu esforço de vender a Xbox One X nos acertava como ventos cortantes na cara, a forma despojada como Phil Spencer surgiu este ano funcionou melhor para a marca do que tudo aquilo que foi feito até hoje. Porém, esta maior descontracção não serviu para criar qualquer curiosidade em alguém adquirir a Xbox One. O vazio de killer apps até hoje transforma este período numa espécie de cuidados continuados à consola da Microsoft.

Quando um dia olharmos para trás para esta geração de consolas domésticas vamos perceber que existiram vários factores até antes dos lançamentos efectivos destas consolas que levaram a uma décalage tão grande da venda de unidades dos diversos modelos de Xbox e de PS4. Mas é possível que o maior de todos, no momento fulcral da vida destas consolas mais ou menos a meio da geração, seja a diferença de exclusivos first e third party entre uma e outra, e aí até hoje a Sony continua com incomparável vantagem.

O outro erro que a Microsoft cometeu ao longo de anos e que vem, a meu ver, corrigir de forma eficaz é o foco que tem dado a uma tremenda plataforma de videojogos que possui e que não é a Xbox. Falo, obviamente, do Windows 10, para onde a marca decidiu trazer em cross play a mão-cheia de títulos exclusivos que lançou e lançará num período de 24 meses.

O anúncio sem grande alarido de que a sucessora da Xbox One já está a ser desenvolvida não surpreendeu ninguém, porque é óbvio que as grandes empresas começam a pensar os seus próximos passos depois de alguns dados, assim como é mais que sabido que a PlayStation já está a desenvolver a próxima, quiçá a 5. Mas a óbvia revelação é mais um statement político-empresarial da companhia que serve de um reconhecimento do atirar a toalha ao tapete, fechar a porta do insucesso da Xbox One, virar a página e seguir num próximo caminho. Que eu espero que seja algo ainda mais integrado com o Windows do que (já é) a consola actual.

Terminada a guerra não vale muito a pena gastar munições desnecessariamente, e por isso logo o primeiro anúncio, Halo Infinite, provavelmente só verá a luz do dia na próxima geração e até deve ser companhia de lançamento da nova consola. Com um limitado número de exclusivos para combater a rival nipónica, Forza Horizon 4, Ori and the Will of the Wisps (o jogo que eu mais aguardo do catálogo), o DLC de Cuphead e Crackdown 3 foram referidos com a devida subtileza, relembrando a todos que se não tiverem uma Xbox One que o vão poder jogar no PC. O que me parece um caminho válido e justo para 2 potenciais bons títulos que chegarão assim a mais pessoas.

Em termos de exclusivos tivemos ainda o “bundle” Gears of War, onde a Microsoft decidiu dar um “ar de sua graça” com o momento de trolling ao mostrar Gears… POP. Se esta ideia de casamento de uma franquia tão poderosa de brinquedos com a sua série de videojogos pode ser algo interessante, foi a ordem de apresentações que o fizeram ser apenas uma piada e pouco mais. Acredito que ritmicamente a apresentação deste segmento deveria ter começado pelo promissor XCOM à moda da Microsoft Gears Tactics seguindo para Gears of War 5. Pessoalmente, e acredito que para muitos que viram a conferência, o entusiasmo com a quinta iteração da série se resume à óbvia aproximação deste título a uma área onde a PlayStation domina: nos third person action games. Seguindo esta ordem o entusiasmo de uma dose dupla de Gears (ainda que eu acredite que a par de Halo Infinite o Gears of War 5 já só chegará na próxima geração) receberia uma hilária cereja no topo do bolo com o crossover com o mundo dos Funko POP.

No entanto todo o esforço comercial e de marketing da Xbox está evidentemente virado para o futuro, e isso ficou bem claro com a aquisição de 5 estúdios já bem conhecidos da marca, sendo que o mais surpreendente foi mesmo a inclusão do estúdio Ninja Theory nos Microsoft Studios. A gigante norte-americana prepara-se para a guerra do amanhã tentando garantir que vai ter jogos de produção interna para poderem rivalizar com o armamento que a PlayStation possa vir a ter na sua próxima consola. Um passo inteligente, que só me deixa por me lembrar que a Microsoft não é das mais estáveis corporações a cuidar dos seus assets. Que o diga o André que relembrou os Lionhead Studios.

A conferência da Xbox foi sobretudo um assumir que à falta de cão, não há problema de se caçar com gato, ainda que a eficácia do mesmo pode ser questionável. No entanto o valor da conferência da Microsoft passou não só pela serenidade do tom, mas também por ter aproveitado o facto de em mais um ano decorrer antes do evento da sua concorrente, e serviu de palco para a apresentação de alguns dos grandes títulos multi-plataformas. Aqui entendam-se as consolas e o PC, que foi até há algum tempo tão subaproveitado pela Microsoft.

Sekiro: Shadows Die Twice, Fallout 76, The Awesome Adventures of Captain Spirit, Metro: Exodus, Kingdom Hearts 3 (uma verdadeira surpresa de se “estrear” em apresentações aqui), Division 2, Shadow of the Tomb Raider, Session, Devil May Cry 5 (um dos dois momentos de verdadeiro furor da noite), Jump Force (será um J-Stars evoluído?), Dying Light 2 e Just Cause 4 são alguns dos títulos que estiveram em horário nobre na conferência da Xbox, e bem, mas que todos sabemos que as vendas serão representativas do outro lado da barricada, na PS4, e em extremo no PC, mas que serviram para fazer da conferência da Xbox algo recheado de conteúdo de alta qualidade.

Para além do regresso de Devil May Cry (cujos urros do público demonstravam bem a aceitação) houve dois pontos altos, um pessoal, e outro consensual para todos. Battletoads é uma das minhas séries favoritas de sempre, e fico feliz de saber que este namoro entre a Rare e a Microsoft vai ressuscitar um título injustamente esquecido por mais de 20 anos. Por outro lado o corolário da conferência e um dos melhores momentos de toda a E3 foi o desfecho do evento, com as primeiras imagens mais desenvolvidas de Cyberpunk 2077 a virem a público.

A Microsoft podia não ter muito material próprio para mostrar, mas foi sensata o suficiente para repensar uma conferência no qual pouco tinham a ganhar e a perder, em que estavam a contar armas depois de uma guerra perdida. Mas souberam levantar a cabeça, contribuir com qualidade para uma E3 que no geral já se esperava amena e demonstrar que ainda vão investir no futuro. A História marcará para sempre os vencedores, mas quem vive esses momentos deve reconhecer a glória aos vencidos. E a Microsoft soube levantar-se, com honra, do chão.