Que, não é segredo que a Games Workshop é uma das editoras de wargaming e modelismo mais conhecidas e bem sucedidas do mundo, isso não é novidade. Que a Games Workshop, em 2017, entrou com o pé direito firme no mundo dos jogos de tabuleiro também não é segredo. Foi de todas as apostas feitas no passado, aquela que mais vingou. Com o excelente Warhammer Underworld: Shadespire as boas práticas de oferecer miniaturas com altíssima qualidade, aliadas a um cuidado motor de jogo com conflitos e estratégia bem adaptados dos wargames, tornou Shadespire num dos jogos competitivos mais populares entre os jogadores tradicionais dos jogos de tabuleiro. A Games Workshop, conseguiu fazer de modo inteligente uma ponte bem conseguida entre o seu universo de wargaming e o mundo dos jogos de tabuleiro competitivos. Veja-se, por exemplo, a portabilidade física entre personagens do wargame para o tabuleiro, e vice-versa. Não é uma editora inexperiente pois há umas boas décadas que está bem estabelecida no mercado. Soube oferecer desde muito cedo um produto com altíssima qualidade. Não obstante, e dado o problema de poder estagnar num mercado que vive quase tanto no universo do modelismo puro como no mercado dos wargames, a sua expansão é uma aposta obrigatória.

Com Warhammer: Age of Sigmar – The Rise and Fall of Anvalor (mais um) spin-off do universo criado pela Games Workshop a aposta feita pela WizKids em 2019 é um equivalente a uma refeição de pôr no micro-ondas. Alimenta, vem temperada de fábrica mas não chega bem aos calcanhares de uma refeição feita em casa como aquelas feitas com todo o cuidado por nós e para nós. Rustan Håkansson traz-nos um citybuilder, com tile placement e hand management bastante simples mas que peca pela falta de dificuldade e de competição directa entre jogadores.

Mmmm… Comida processada industrialmente

Processo criativo: cartão, dados giros às cores, tabuleiros fatelas e muito simplex à mistura… mete tudo numa caixa, põe-lhe o logotipo Warhammer Age of Sigmar e faz milking à vaquinha do dinheiro dos fanboys…

A Mecânica

Em Warhammer: Age of Sigmar – The Rise and Fall of Anvalor cada jogador pega numa das fações existentes (algumas delas já conhecidas de Warhammer Underworlds: Shadespire), e defende a planície de Anvalor contra hordas invasoras de Skavens, Khorne ou Orcs. Para tal e à vez, cada qual vai dispor edifícios da sua facção (para gerar recursos), tropas e edifícios especiais que não só valorizam Anvalor como atribuem condições de jogo dinâmicas premiado as os jogadores com pontos. Pelo meio vamos sofrendo um cerco gradual seguido de sucessivas invasões. O final de jogo é despoletado quando todas as tropas inimigas forem eliminadas.

Cada jogador vai gerir uma mão de cinco tiles descartando à vez os recursos existentes nesses mesmos tiles para dispor na cidade ou as suas tropas ou os edifícios da sua facção. O descarte mantém uma ordem que não poderá ser mudada. Esta será reutilizada quando se esgotarem os tiles. Quando um edifício especial é colocado, a mecânica altera-se. Esta alteração torna o fluir do jogo um pouco mais dinâmico pois ao rodar de um dado as fações inimigas vão chegando dos quatro pontos cardeais que rodeiam Anvalor. Quando chegarem a três inimigos são revelados e iniciam o ataque em linha reta. Cada turno de ataque inimigo desenrola-se com um ataque por parte da defesa (nós) em primeiro lugar (recompensada com pontos pela destruição total do inimigo). Seguidamente o inimigo faz o seu ataque (a defesa bem sucedida não é recompensada com quaisquer pontos). Se destruir a unidade ou o edifício que esteja à sua frente move-se para o lugar vazio e repete o padrão anteriormente descrito. Para só quando for completemente destruída ou atravessar Anvalor de uma ponta à outra saindo do jogo. Aqui a escolha do local (cinco casas com a largura da nossa cidade) onde entram as tropas inimigas é única opção que a fação adversária tem. O ponto cardeal é dado por um rolar de um dado. O conflito intra facções é tão inexistente que o sítio por onde invadem Anvalor é a única decisão que podemos fazer para dificultar a progressão em pontos do nosso adversário.

O tabuleiro é double sided: num lado para 3-4 jogadores no outro para 2 jogadores ou em modo solitário (ou como eu chamo o modo Ronery – https://www.youtube.com/watch?v=UEaKX9YYHiQ)

É uma mecânica muito simples, e para piorar torna-se fácil pela quantidade de aliados que apanhar em frente. À boa maneira de Shadespire todos os quadrados ocupados por um aliado imediatamente adjacentes a uma unidade dão suporte aos seus aliados influenciando consideravelmente o rolar do dado. Para ajudar ainda mais ao lado defensor, sempre que numa situação em que o valor máximo do roll surgir podemos somar um segundo valor num roll posterior… Joguei uma partida num nível de dificuldade 3 (em 4) para os inimigos e nunca me senti à beira de perder o investimento feito na cidade em edifícios e tropas. Senti que o jogo é um pouco como aqueles pais politicamente correctos que não querem deixar os filhos expostos à realidade da vida, por isso são meiguinhos para os meninos não se aborrecerem com facilidade. Espera de onde é que é o designer do jogo?

Suécia!!! Tão politicamente correcta <3 <3 <3

A sua simplicidade percebe-se necessária se o objectivo é trazer novos jogadores, mas num jogo eminentemente ligado a um universo de guerra onde se prevê a defesa Anvalor, as diversas fações não interagem entre si influenciando o desenrolar da partida o suficiente.  Neste caso a temática poderia promover lógicas de conflito internas não tão passivas como o simples tile placement e a construção assimétrica de motores de geração de poder baseados na nossa facção.

Percebo as dinâmicas de usar os displays dos adversários quer para os tramar, quer para ganhar pontos à custa deles, no entanto acho muito pobre a interação competitiva para além daquela de numa política de terra queimada atrasar os nossos aliados. Não teria sido melhor apostar num semi-cooperativo?

A arte

O desenho está bem abaixo do que a Games Workshop nos acostumou no campo do seu over styling muito bem cuidado. Não percebo o porquê do tabuleiro ser todo preto… Porra, isto é todo um mundo e um universo que já vem a ser desenvolvido à décadas. Será que não poderiam ter pedido feedback à Games Workshop.  Percebo a ideia de tornar tudo muito simples porque é um jogo… simples. Infelizmente é simples demais. (Ah! Um momento de onde é que já ouvi dizer que o amor às coisas simples é mesmo forte?) …

Outrora o flaglelo da Europa Ocidental, os aguerridos Vikings hoje são um povo pacífico que gosta de coisas simples

Só os desenhos nos tiles de facção é que nos relembram que este jogo pertence à série Warhammer. Houve cuidado em dar formas diferenciadas às peças, isto porque os jogadores daltónicos têm dificuldades em distinguir cores. Já começa a ser uma boa preocupação a nível de design, que se vê um pouco por toda a parte. É bom ver que com Warhammer: Age of Sigmar – The Rise and Fall of Anvalor houve esse cuidado.

Acho que para um jogo baseado na boa experiência dada por Shadespire poderia ter bebido muita inspiração ao wargaming. Dou no entanto os parabéns por se tentar fazer algo completamente novo em tile placement (uma experiência completamente nova no ambiente Warhammer). Pelos quatro níveis de dificuldade dos inimigos (com três tipos de agravantes de jogo por inimigo) e pelas seis facções existentes existe também uma boa re-jogabilidade. Tal ajuda a contrabalançar os pratos da balança dos defeitos e qualidades deste jogo de tabuleiro. Na minha opinião, hoje em dia um jogo de tabuleiro deverá permitir acomodar novos tipos de jogadores adaptados a facções específicas a fim de tornar a competição inclusiva às diversas personalidades de jogo. Este também é um bom ponto que Warhammer: Age of Sigmar – The Rise and Fall of Anvalor conseguiu atingir.

O veredicto: em resumo é um autêntico meh. Parece-me um pouco como um trabalho (mediano) de subcontratada feito em modo desinteressado pela parte da WizKids. A Games Workshop também me pareceu desinteressada, pois se esta optasse por retirar o seu carimbo e temática, poderia tornar este city builder um jogo facilmente confundível com Quadropolis. A Games Workshop deveria ter tido mais mão em todo o processo criativo nem que fosse meramente ao nível de desenho e styling. Será que a Games Workshop já é tão grande que perdeu o gosto em fazer o que sabia fazer?

Games Workshop porquê? Mas porquê? Porque é que te estiveste a marimbar para este jogo???? MAS PORQUÊÊÊÊÊÊÊ????