Já bebi dois cafés esta manhã, e a minha sonolência tem 2 culpados óbvios: o primeiro, o Rui Parreira, por ser tão prazeroso gravar o podcast com ele à segunda-feira (acto que se estende sempre bem para lá da hora que devia), e o segundo é o pequeno cozy game de jardinagem, que é na realidade um puzzle game mascarado, e um sifão de tempo encapotado.

Desde que vemos as primeiras imagens deste jogo, e do seu mundo que parece decorrer dentro de um Polly-Pocket, que senti que Tiny Garden é um daqueles jogos raros que nos parecem sussurrar a sua presença ao invés de gritar a sua existência. 

Desenvolvido pelo estúdio galego Ao Norte, esta pequena pérola escondida indie é mais do que um jogo: é uma pausa consciente no meio da azáfama quotidiana. É que ao contrário da maioria dos jogos que chegam ao mercado, que ora nos pedem reacções rápidas e/ou tomadas de decisões sob pressão, este Tiny Garden convida-nos a abrandar, a puxar uma cadeira e a beber calmamente um chá.

No centro da experiência está um jardim minimalista inserido dentro de uma concha Polly-Pocket, com quatro quadrados para plantarmos, com uma paleta acolhedora que harmoniza com o ritmo compassado do jogo. Somos então deixados neste pequeno espaço sem objectivos rígidos, sem medidores de produtividade, sem urgência. Cabe-nos explorar as poucas informações que temos com calma, plantar sementes, e rodar a manivela gigante que temos que faz avançar “um turno”, permitindo que as plantas cresçam e estejam prontas para ser colhidas. 

O loop é este, numa lógica circular, mais próxima de um ritual do que de um desafio: as interacções são simples, mas rapidamente assumem um pendor estratégico: cada semente necessita de um tipo de solo específico para ser plantada, e temos de perceber como “criar” as condições para termos esse tipo de terreno. E dessa forma o tempo dentro do jogo parece respirar de forma diferente: estende-se, dissolve-se, permitindo-nos existir ali sem pressa, com o único objectivo em mente de irmos desbloqueando novas sementes e “avançando” no conteúdo do jogo dessa forma.

Há uma sequência lógica que nos mantém presos a Tiny Garden. Colhemos cenouras para trocá-las por sementes de cactos. Mas os cactos têm uma habilidade específica: quando amadurecem e ficam prontos para serem colhidos, transformam os quadrados adjacentes em terreno arenoso, e aí podemos plantar sementes que exijam essa tipologia. 

É neste sistema de corrente de produção que vamos encontrando novas sementes, que exigem condições cada vez mais complexas para a sua plantação. E agrada-me – e muito – esta lógica progressiva de desbloquear sementes, com um mindset de puzzle, e de uma certa forma de management games em que dependemos de linhas de produção bem montadas.

Tiny Garden é tão relaxante que o seu aparente propósito de não ter um real propósito faz o tempo passar a uma velocidade que me surpreendeu. Dei por mim a ouvir música e a entrar noite dentro a planear a cadeia de “produção” de plantas para chegar às camadas mais avançadas de sementes – sempre com a ideia de desbloquear todo o conteúdo do jogo.

Tiny Garden é surpreendente, da lógica e estratégia que exige de nós, ao nosso ritmo, num embrulho relaxante, mas que esconde um brilhante puzzle e management game.