
Imaginem, por um segundo, que eu era um autor disciplinado, que vos entrega, por exemplo, O Albergue dos Silêncios, sem falhar uma única semana. Uma daquelas pessoas com uma agenda toda organizadinha, com um calendário todo bonitinho (com autocolantes todos pomposos e infantis como manda a lei), sem contar com todas as aplicações para telemóvel instaladas que fazem essencialmente o mesmo trabalho para redobrar a minha atenção e não me esquecer de nada. Se eu fosse essa pessoa, estaria a entregar-vos, hipoteticamente, a 54ª edição de uma lista infindável de jogos perfeitos para jogarem enquanto ouvem um episódio de um bom podcast.
Agora voltem à realidade: esse indivíduo não sou eu. A minha rubrica não existe, mas continuo a fingir que existe só para arranjar uma desculpa para vos recomendar mais um jogo que ninguém me pediu para recomendar. Na verdade, a minha vida está tão pouco organizada que até o Google Calendar me manda notificações com pena de mim, e não para me lembrar do que me vou esquecer, como se dissesse: “Ah, tu? Outra vez? Boa sorte, amigo. Já desisti de acreditar que vais ser produtivo”. Tenho listas de coisas por fazer que se estendem por vários ecrãs do telemóvel, cada uma mais deprimente que a anterior, e ainda assim consigo sentir-me como um mestre do tempo quando consigo ter um bocado para escrever um texto como este.

O jogo em questão é Grindstone, da Capy Games. E aqui convém fazer uma pausa: sim, é aquele jogo que se joga tão bem a ouvir podcasts, playlists aleatórias ou até o aspirador do vizinho ao lado que faz um barulho desgraçado às tantas da noite. É um jogo que eu considero uma obra-prima e que, por algum motivo insondável, nunca teve o reconhecimento que merecia; pelo menos nunca o vi mencionado. Talvez porque não tem armas, talvez porque não dá para mandar “gg ez” no chat, talvez porque é apenas um puzzle colorido e violento, mas sem balas. E se estão à espera de gráficos hiper-realistas ou de narrativas dignas de Hollywood, não se preocupem: aqui a beleza está na simplicidade, na sensação viciante de esmagar monstros em cadeias intermináveis e no prazer quase infantil de ver cores a explodir na tela como se fosse Natal, mas sem o caos familiar e o investimento que se faz em prendas.
Chamem-lhe o Candy Crush para Gamers com “G” grande — e sim, eu sei que isto é uma frase horrível e que não ajuda nada na credibilidade de quem escreve. Mas lá está, eu sou a pessoa que se senta para escrever sobre videojogos e acaba a falar sobre a incapacidade crónica de organizar a própria vida. Pelo menos Grindstone oferece-me uma ilusão de ordem: quando faço uma sequência de vinte monstros esmagados em cadeia, sinto-me, por breves segundos, como se finalmente tivesse o controlo da minha existência. Depois lembro-me da pilha de roupa por lavar, estender e passar a ferro, do pão que me esqueci na torradeira e dos meus morangueiros que provavelmente já morreram de sede há uns dias, e como por magia essa ilusão de controlo evapora-se quase tão rápido quanto desaparecem as minhas esperanças de vida organizada.

Jogo Grindstone enquanto penso em tarefas que nunca vou cumprir e em emails que nunca vou enviar. É um jogo que me faz sentir competente num mundo em que me sinto constantemente incompetente. E, honestamente, talvez seja essa a razão secreta pela qual não paro de jogar: não é só diversão, é terapia barata, com cores bonitas e monstros a gritar como se estivessem tão desesperados quanto eu para evitar responsabilidades.
Ainda assim, recomendo o jogo. Não porque me paguem para isso (ninguém paga), não porque alguém me tenha pedido (ninguém pediu), mas porque se vou continuar a procrastinar, que seja em boa companhia. Grindstone é, sem sombra de dúvida, a melhor companhia que encontrei desde que descobri que falar sozinho não conta como hobby. Ups, tenho de ir jogar Hollow Knight que prometi; como sempre, sei que vou acabar a procrastinar mais uns minutos preciosos da minha vida.
E talvez este seja, afinal, o ponto daquilo que chamo de crónica de procrastinação com videojogos: mostrar que, mesmo quando falhamos na vida real, podemos ter pequenas vitórias que nos fazem sentir um pouco mais no controlo do caos diário. Porque se há algo que aprendi nestes longos anos de escrita irregular e jogatina compulsiva, é que, no fim, a vida é muito parecida com Grindstone: cheia de desafios, algumas explosões de cores, e a constante necessidade de tentar esmagar os monstros da rotina antes que eles nos esmagem a nós.













