É sobejamente conhecida a minha predileção virtual pela pesca, um facto que motivou ao longo dos últimos anos algumas situações anedóticas, como a minha temporada em LOTR Online apenas para ir diariamente pescar e conviver para o Shire.
Admito que ainda não tive oportunidade para transferir esse gosto para os jogos de tabuleiro até à chegada de Finspan. Em boa verdade, o mais recente jogo da série/sufixo Span que chegará às lojas em alguns meses não é sobre pesca, mas sobre peixes, em latus sensus.
Ao longo destes anos temos coberto praticamente toda a série, desde esse colosso comercial que foi Wingspan, passando por todas as suas expansões, e terminando em Wyrmspan. Meses após o seu lançamento, tenho de admitir que o jogo que nos faz abraçar criaturas mitológicas tornou-se até o meu Span menos favorito, sendo rapidamente ultrapassado pelo sistema mecânico extremamente directo de Finspan.
Finspan foi desenvolvido por David Gordon e Michael O’Connell, com a colaboração de Elizabeth Hargrave, a autora de Wingspan. Neste jogo somos pesquisadores marinhos dedicados à descoberta e observação de diversas espécies aquáticas em diversas profundezas: nas zonas de luz solar, penumbra e abissal (a área de “meia-noite”) dos oceanos. O objectivo é construir a colecção mais valiosa de vida marinha ao longo de quatro semanas de pesquisa, e, ao bom estilo dos eurogames, ser o jogador com o maior número de Pontos de Vitória.
Finspan mantém a essência de Wingspan enquanto engine building game, mas introduz elementos únicos que lhe permitem destacar-se do jogo original. É curioso auscultar as redes sociais – um erro, bem sei – e perceber que muita gente agressivamente apelida este jogo como um mero milking the cow do sucesso incontornável de Wingspan. Mas considero essa opinião injusta: existe aqui um exercício de repensar profundamente o loop mecânico do jogo, mantendo ao mesmo tempo uma relação próxima com o jogo original.
Uma mudança que começa com o Tabuleiro Vertical, que diverge do layout horizontal de Wingspan, representando a profundidade do oceano, dividido em três zonas. A Zona de Luz Solar, a camada superficial onde se encontra a maioria das espécies conhecidas, a Zona de Penumbra, a região intermédia com espécies menos comuns e condições de luz reduzidas, e por fim, a Zona da Meia-Noite, a camada mais profunda e escura, habitada por criaturas raras e peculiares. Para além desta divisão, o jogo ainda possui 3 colunas distintas que activarão recursos diferentes do motor.
Ao contrário de Wingspan e Wyrmspan, podemos colocar os peixes em qualquer rectângulo destas zonas, desde que as condições sejam cumpridas, sem termos de os preencher em sequência. Cada peixe tem algumas indicações base, tais como as zonas marinhas onde podem habitar, para além da sua dimensão e dos requisitos para serem jogados.
Para isto contamos com um sistema de recursos amplamente simplificado, e ao contrário de Wingspan que possui múltiplos tipos de alimentos, Finspan simplifica-os, focando-se na gestão de cartas, ovos, cardumes e filhotes. Uma mudança aparentemente simples mas que torna o jogo mais fluido e acessível, permitindo-nos concentrar-nos na construção do nosso “motor“ aquático.
Alguns peixes são predadores (identificados por uma presa ensanguentada) e necessitam de consumir um peixe de menores dimensões para serem jogados. Para isso podemos colocar uma destas cartas sobre um peixe já impresso no tabuleiro (se as suas dimensões forem inferiores) ou tapar uma carta previamente jogada.
Para além disso, apesar de Finspan contar apenas com 3 tokens: 1 de ovos, um de peixe-cria e outro de cardume, a forma como podemos movimentá-los entre espaços no tabuleiro é parte da estratégia. Para além de os ovos e as crias serem recursos para jogar cartas, a sua manipulação no tabuleiro prende-se com a necessidade de criação dos valiosos (em termos de VPs) cardumes.
Quando temos acções de eclosão, podemos virar um determinado número de ovos para peixe-cria. Se em qualquer momento, num rectângulo do tabuleiro, três crias se encontrarem juntas elas dão lugar de imediato a cardumes. Com muitas acções e cartas a permitirem-nos movimentar estes tokens pelo tabuleiro, uma parte interessante da estratégia de Finspan é a de preparar o surgimento de novos cardumes, deslocando os tokens apropriados. Tudo isto tendo em conta duas regras simples: ovos só podem existir e ser colocados em cima de peixes, e que não podem coexistir dois cardumes no mesmo espaço.
A sequência de turno é igualmente simples, com a carga de worker placement dos nossos meeples de mergulhadores a representarem uma das duas acções que podemos tomar. A primeira, e mais simples, pagar o custo indicado e baixar uma carta de peixe no nosso tabuleiro. A segunda é a de utilizar meeples de mergulhadores para explorar uma das três colunas que temos no tabuleiro, levando a que o meeple active cada poder correspondente, da superfície à profundeza, à medida que descemos. Visto que cada zona e cada coluna oferece benefícios específicos como a colocação de ovos ou a movimentação de crias, a escolha de onde fazer o mergulhador descer em cada turno é um dos elementos mais importantes na maximização do nosso motor de recursos.
Finspan é extremamente fácil de explicar, e com estas novas e simples mecânicas diria que é dos 3 jogos da “série”, o mais acessível a qualquer jogador. Sinto também que o tabuleiro vertical (que já agora, dado que cada jogador tem um, ocupam muito espaço na mesa de jogo) e a acção de mergulho adicionam uma profundidade estratégica sem nunca comprometer a acessibilidade do jogo.
Finspan consegue fazer algo difícil: equilibrar familiaridade e inovação, oferecendo-nos uma experiência bastante distinta para os fãs de Wingspan e para novos jogadores interessados na temática marinha. Não sei se a temática dos peixes o tornará tão vendável quanto os dois jogos anteriores, mas seja pela minha grande habituação a Wingspan, seja por a posteriori estar um pouco desanimado com Wyrmspan, e diria que neste momento Finspan é o meu jogo favorito da série, e um grande gateway game para jogos de engine building.
