A doce e afectuosa morbidez

Life Goes On é um dos exemplos pelos quais nos dias de hoje eu mais facilmente fico entusiasmado com um pequeno jogo indie, do que com grande parte dos AAA que destronam os orçamentos de blockbusters cinematográficos em cada mês que passa. Este primeiro jogo da Infinite Monkeys Entertainment, criado pelas talentosas mãos de apenas 4 pessoas, acabou por chamar-me à atenção na povoada loja do Steam pelo humor negro que transpira cada segundo da sua jogabilidade.

Não sendo completamente original (alguma coisa o é na nossa contemporaneidade?) mas desde logo o trailer de Life Goes On conquistou-me com a necessidade de utilizarmos os nossos próprios cadáveres para resolver os puzzles que nos apresentam. Se algumas das ideias apresentadas nos trazem reminiscências da série Lemmings, isso só prova que assim como nós, também os autores deste jogo olham com saudade a franquia de culto da Psygnosis.

Life Goes on 01

A tua morte vai sempre ser lembrada: foi tão “chocante”!

 

As doses de morbidez e sadismo deste Life Goes On vêm em garrafões de 5 litros, que nos satisfazem e nos fazem sorrir com cada obstáculo que o jogo nos apresenta. A grande questão do jogo é que nos faz rir da morte e desse lado mais sombrio, com um descomprometimento similar ao de “Death Becomes Her” do Robert Zemeckis ou a forma como a Addams Family e o South Park (em relação à constante mas não-permanente morte de Kenny) conseguem abordar o assunto sem criar qualquer tipo de choque.  A existência da morte não só é humoristicamente tratada como é a essência de todo o jogo.

A diversidade de mortes possíveis e o setting medievalesco faz-nos pensar que toda a imaginação foi retirada de uma espécie de “Manual para o Carrasco Actualizado da Idade Média”. Na realidade, e visto que temos de nos suicidar para podermos usar o(s) nosso(s) recém cadáver(es) para ultrapassar o jogo, dir-se-ia que o jogo é quase uma apologia bem-humorada ao suícidio. Desde mortes por empalamento em espigões, electrocução, carbonização, congelamento, entre outros, existem uma série de mecanismos que vão sendo apresentados à medida que o jogo se desenrola e que nos mostram as utilizações que podemos dar aos cadáveres das “vidas” que perdemos. E a nossa taxa de sucesso é medido pelo número de cadáveres, ou seja, vidas, que usamos para resolver os puzzles, portanto quanto menor for esse número maior é a nossa eficácia. E estas resoluções podem ir desde utilizarmos o nosso corpo para criar uma corrente eléctrica contínua que nos permita avançar (levando obviamente à nossa morte por electrocução) até saltarmos para o empalamento certo em espigões, para que a nossa próxima vida tenha um local seguro onde por os pés. Sim, é verdade, em Life Goes On podemos utilizar o cadáver da nossa vida anterior como plataforma, e isso diz tudo sobre o jogo.

Life Goes on 02

Desculpa lá estar a usar-te como peitoril, Manel!

 

A complexidade dos puzzles vai sendo progressivamente aumentada ao longo das diversas dezenas de níveis, e vamos sentindo a evolução da dificuldade de alcançar o Cálice Dourado que nos serve de meta. Desde metade do jogo que muitos dos puzzles ocupam grande parte do nosso ecrã e carecem de um raciocínio mais apurado. Dezenas de mortes em vão num sistema de tentativa-erro de resolver o sadismo divertido que os autores nos brindam, mas que nos consegue sempre roubar um sorriso quando encontramos a resposta.

O melhor: o humor negro, a qualidade e dificuldade dos puzzles, o sadismo criativo que abunda no jogo.

O pior: algumas soluções de partes de puzzles são um pouco repetidas em excesso.

Life Goes On é um dos melhores jogos de puzzles/plataformas desta (quase) primeira metade de 2014 e parece-nos que infelizmente poderá passar despercebido para muitos jogadores. Os momentos de diversão e o desafio que o jogo nos traz valem todos os cêntimos dos 9,99€ de preço actual no Steam. Com um visual divertido e uma abordagem humorística sobre a temática (e a permanência literal) da morte, muito cedo se torna simples para nós a aceitação de que usamos os nossos próprios corpos inanimados para resolver os osbtáculos e atingir o nosso objectivo. Afinal, a vida continua não é?

Life Goes On é um exclusivo PC.