Point and click adventures nunca foram o meu forte. Longe vai o tempo em que tentei forçar Grim Fandango ou Day of the Tentacle dentro do meu catálogo de jogos terminados. São só boas histórias que beneficiaram do meio para serem contadas e expostas de forma original, tiveram o seu tempo e importância. The Lion’s Song explora não só o meio de forma inédita no género como o relativamente novo formato episódico para contar três histórias divididas por três episódios que se entrelaçam, celebrando uma temática omnipresente e culminando num quarto e último episódio que é tão conclusivo quanto lhe é permitido.

Inúmeras vezes tentamos confrontar-nos com a multiplicidade das histórias a decorrer no espaço que ocupamos enquanto experienciamos a nossa. Ainda hoje um colega me contou a sua história de domingo passado: num meet up casual de amigos numa garagem de um deles, acompanhados por bebidas e boa disposição, um outro amigo chega com a notícia de que andava a falar com uma outra pessoa de sexo oposto através do Tinder e esta iria actuar num bar algumas horas depois. Para surpresa dele, assim que a moça pisa o palco, reconhece que esta pessoa era uma prima direita em segundo grau com quem não havia falado em anos. A noite acabou da forma espectável independentemente da revelação, toda esta sobreposição de histórias não é mais que um bom tempero, um abre olhos para uma ideia que está constantemente presente mas que viver com a verdadeira consciência dela nos deixaria arrumados (a verdade sobre a nossa pequenez e insignificância).

Talvez por isso decidi (tal como certamente muitos de vós) encarar o mundo real como aquele que eu sinto através dos meus e apenas meus sentidos. De igual forma cada um dos protagonistas de The Lion’s Song, Wilma, violinista prodígio isolada da sua vida sob tarefa de escrever uma importante composição, Franz, pintor prodígio dono de uma visão única sobre aqueles que o rodeia, e Emma, mulher marginalizada pela comunidade artística (ou, se preferirem, científica) que ama, a matemática, encaram o mundo e assumem as suas ambições, desejos e deveres como se fosse a única realidade que lhes importa e afecta, colocando-nos a nós, jogadores, numa posição meramente contemplativa de como cada uma destas vidas e histórias se cruza apenas um a um e enlaça em pontos distintos. Não há peças sintéticas, ou um final que os une de forma una para efeitos de completude, há apenas vários estados de mudança que se tocam mas levam a finais diferentes. E a beleza de Lion’s Song está aí mesmo. Em como o final é tão coerente dentro desta ideia que tenta transmitir e ao mesmo tempo, conclusivo para as personagens que nele não são contempladas e foram alvo de protagonismo nos seus respectivos episódios.

Há, no entanto, um sentimento de desconexão do primeiro episódio (que poderá ser apreciado gratuitamente – mas não deverá ser encarado como representativo do todo) do resto da obra: não só seria impossível transmitir o descrito no final do último parágrafo com uma só personagem e uma só história, mas como há uma pequena desconexão temática que não se materializa: uma vez que o jogo nos sugere olhar para o mesma história desse primeiro episódio mais tarde as intenções tornam-se claras e a direcção mais clara, quase como aquando da publicação deste primeiro episódio não havia uma ideia concreta, bem definida e definitiva daquilo que o total da obra pretendia transmitir. Com isto não vos pretendo alarmar ou denegrir a imagem que agora tento em vós construir sobre The Lion’s Song, mas apenas explicitar que experimentar o primeiro episódio está longe, mas tão longe de dar uma ideia clara do que este alcança.

A sonoplastia e aspecto do jogo são inquestionavelmente únicos, sendo a primeira extremamente consciente do mood a estabelecer em cada cena, reminiscente da música clássica do início do século XX e efeitos sonoros da maquinaria e sinos de porta da mesma altura, e a segunda executada sob a forma de pixel-art sobre um estilo artístico cartoonish em tons de sépia. Em alguns momentos a delimitação da cena de jogo é longe de adequada, mas a integração dos pensamentos e sentimentos da nossa personagem no cenário compensa essa lacuna.

The Lion’s Song é, mais que uma história interactiva, várias histórias que dificilmente projectariam o seu impacto de igual forma noutro meio expressivo. As histórias estão longe de ser surpreendentes e o mesmo se poderá dizer de cada uma das suas outras partes, mas a verdade é que aquilo que atinge está tão além do que grandes produções do mercado dos videojogos atingem. E descobrir que isso é produto das mãos de um pequeno número de indivíduos extremamente competente e apaixonado pelo seu trabalho é aquilo que me faz querer ficar.