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Enquanto bom leitor li Os Lusíadas de fio-a-pavio, deliciando-me com as palavras d’O Poeta que descreviam de forma heróica os feitos nacionais. Mas fi-lo antes do tempo em que todos fomos obrigados, e fi-lo por decisão própria, ali pelos oitos anos de idade, e motivado pela leitura do épico clássico dos Clássicos, a Odisseia. Depois disso e até os dias de hoje muitos outros épicos seguiram, do qual a Eneida, o Paraíso Perdido e a Kalevala foram apenas alguns dos exemplos que ajudaram a povoar a minha mente com histórias impressionantes que usualmente demonstravam a forma como o ser humano consegue ultrapassar qualquer provação, divina ou terra, e sair desse teste revigorado e fortalecido.

Épicos modernos existem, e a multi-abertura cultural e narrativa do Séc. XX veio contribuir para que esta abordagem literária existisse, apenas alterando o tom e a forma de o ler. A televisão, o cinema, a Banda-Desenhada e desde o passado recente os videojogos conseguiram criar e contar novos épicos, inéditos, que povoarão a nossa memória cultural durante algum tempo. Banner Saga, de 2014, já tinha mostrado ser o Canto Primeiro de um épico em desenvolvimento. O que esperar deste Segundo Canto?

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Depois de terem arrebatado a crítica e a comunidade com o seu primeiro jogo, a responsabilidade do estúdio Stoic em manter a fasquia da sua narrativa para a sequela era tarefa difícil. O visual, as animações a lembrarem a Disney de 1960 a meados da década de 1980 em especial The Black Cauldron, as mecânicas de turn-based strategy que prometiam ser um passo em frente no género, e ainda mais numa produção independente, tornaram-no um dos mais galardoados videojogos do seu ano de lançamento, vencendo diversos prémios pelo seu storytelling e pela sua componente artística.

Banner Saga 2 começa no exacto ponto em que o seu antecessor terminou, iniciando a história no Capítulo 8. Afirmar que aconselhamos a jogar os dois jogos em sequência é um total eufemismo, e não fazê-lo conduz-nos a perder uma das melhores características desta sequela: a possibilidade de migrarmos a nossa save para aqui, trazendo todas as decisões e conclusões retiradas nos primeiros capítulos. Os personagens que morreram no primeiro jogo continuam mortos, e todas as escolhas mecânicas de RPG que tomámos na evolução dos personagens são trazidas para este segundo jogo, demonstrando que para além do forte storytelling comum a ambos os jogos, a nossa acção tem verdadeiras consequências no mundo.

Os turn-based strategy games não são um género recheado de lançamentos, muito menos quando comparando com outros géneros em que nascem dezenas de jogos semanalmente, de maior ou menor qualidade. Ainda assim é curioso perceber o timing do lançamento de Banner Saga 2, que coincide muito próximo de outro gigantesco lançamento dentro do mesmo género, Fire Emblem Fates para a 3DS.

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Entre o lançamento dos jogos, nestes pouco mais de dois anos que o separam, os muitos jogadores que ficaram deliciados com o primeiro jogo esperavam ansiosamente pela continuação da história. Foi preciso outro jogo também da Versus Evil, e criado sob o motor de Banner Saga, para suprir esta ansiedade, ainda que a nível conceptual e de setting Skyshine’s Bedlam nada tenha de comparável.

No momento em que continuamos a história, os humanos e os gigantes Varl uniram-se por um bem comum: a sobrevivência, enquanto fogem desesperadamente da Darkness que consome lentamente o mundo. Alguns dos inimigos habituais da história mantêm-se, a raça petrificada dos Dredge continua no nosso encalço mesmo após a morte do seu campeão no final do primeiro jogo. E o que é que estas complicações narrativas demonstram? Que os jogos episódicos necessitam mesmo de ser jogados em sequência, e dificilmente Banner Saga 2 conseguirá conquistar novos jogadores que desconheçam por completo este mundo, e que decerto ficarão totalmente perdidos ao entrarem na história no Capítulo 8.

Todas as mecânicas de combate por turnos, passando por todas as decisões muito próximas do que a Telltale tem habituado o público mainstream, e ainda a gestão dos nossos sobreviventes carece de um conhecimento prévio de Banner Saga sob pena de toda a experiência cair alguns pontos abaixo do que merece.

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O mundo de Banner Saga (2) está a destruir-se progressivamente, e nós sentimos esse impacto em cada missão e em cada avançar do enredo. As difíceis divisões dos parcos recursos entre todos os membros da nossa caravana será uma tarefa pesada para todos nós, e muitas vezes teremos de optar entre deixar alguns para trás ou prejudicar o conjunto pela soma das partes.

Em comparação com o primeiro jogo, o combate sofre apenas pequenas adições, dos quais as novas classes e os Horseborn são um dos pontos primordiais. Os centauros deste setting acabam por ser das unidades mais interessantes com a sua capacidade de se moverem após agirem/atacarem, dando uma nova estrutura táctica a cada missão/combate.

Contar um épico é uma tarefa difícil e inglória por vezes. Este Banner Saga 2 acaba por ter a mesma abordagem de comprar a segunda parte de uma série de livros pelo qual estamos apaixonados, em que lemos com sofreguidão cada página na expectativa de conhecer mais e melhor este mundo que se vai apresentando à nossa frente. É difícil separar este novo lançamento do primeiro, e ainda mais dos subsequentes. Banner Saga 2 sabe ao mesmo, e neste caso “o mesmo” é um dos melhores turn based strategy games com um dos mais sérios e épicos enredos desenvolvidos em continuidade para videojogo.