Caçada semanal #90

Os puzzle games são uma das pedras basilares dos videojogos. A forma como foram evoluindo, não só em complexidade e diversidade, acompanhando quase lado-a-lado o crescimento do mercado.

O fulgor pelo género foi encolhendo e ficando quase circunscrito ao mercado das portáteis, mais casual, enquanto os jogos AAA e AA se focavam nos novos géneros emergentes e na sofreguidão dos jogadores em consumirem-nos.

Não é portanto de estranhar o ressurgimento e súbita explosão de puzzle games, alguns melhores do que outros, que inundaram o mercado vindo de incontáveis estúdios indies espalhados pelo mundo.

Os dois casos que trazemos esta semana não são de puzzle games medianos, ou em extensão, alguns que quebrem as barreiras do que nunca foi feito. Ao invés disso trazemos dois jogos que pegam em mecânicas que já tinham sido anteriormente utilizadas em jogos com high profile e entretanto utilizadas como conceito para um objecto completamente novo.

Embers of Mirrim

Embers of Mirrim é um jogo sobre oposições, uniões e dualidades com um enredo subjacente que vai sendo desenvolvido à medida que progredimos no jogo.

O planeta (ou aliás, este planeta do jogo) está a ser invadido por uma entidade alienígena opressora que está a corromper todo o território, e para a combater as duas raças autóctones terão de unir, e colocar de parte o facto de serem literalmente opostas. Ambas raças felinas, com ligeiras diferenças entre si, os Mir, que representam a luz, e os Rim que representam as trevas.

Mecanicamente a forma como os developers dos Creative Bytes Studios abordaram esta dualidade prende também ela com dois aspectos distintos do jogo. O primeiro é que as duas criaturas emissárias das duas raças do jogo têm habilidades e estéticas diferentes. Uma é branca e consegue planar, enquanto a sua contraparte das trevas é azul-arroxeada e consegue destruir chão que esteja previamente rachado. Até aqui tudo perceptível, sendo que no início do jogo vamos jogando alternadamente com ambos os “gatos”, utilizando as suas capacidades únicas para passar as zonas de puzzle platforming.

A parte mais complicada é a capacidade de ambos em tornarem-se etéreos, quando tocam em pedras da sua cor (que é como quem diz, pedra verde para o gato branco e a roxa bem… para o arroxeado). É aqui que ser baterista ajuda na ultrapassagem do jogo, já que com cada analógico controlamos indistintamente cada um dos “gatos” e que temos de tocar em alguns glifos da mesma cor para desbloquear portas. Ok, demasiado difícil de explicar, é preferível verem no trailer ou pensarem nas mecânicas de controlarem os dois irmãos em simultâneo como em Brothers: a Tale of Two Sons.

O mundo é visualmente brilhante e as mecânicas de colocar à prova a nossa capacidade de controlar indistintamente dois personagem de forma autónoma é a cereja no topo do bolo de um jogo cujos detalhes são tantos e tão bem-efectuados que fazem deste Embers of Mirrim uma das grandes propostas do mercado indie neste segmento.

Bokida: Heartfelt Reunion

A estética minimalística já deixou de ser novidade, e felizmente, diria, abandonámos a ideia entretanto refutada de que um jogo precisa de cumprir com x parâmetros artísticos para conseguir ter alguma hipótese de notoriedade.

Bokida: Heartfelt Reunion vem nessa linha desprovida de constrangimentos impostos pelo mercado, e onde a sua direcção artística é um dos elementos do conceito do jogo, e não apenas a roupagem ou o embrulho que o envolve.

À semelhança de Embers of Mirrim, Bokida: Heartfelt Reunion vai desenrolando o seu novelo narrativo à medida que progredimos no jogo, sendo essa descoberta um acompanhamento da progressão do mundo, e do nosso caminho.

Nem por acaso, pelo timing com que Bokida: Heartfelt Reunion foi lançado, há também aqui uma presença muito forte das noções de dualidade, de Yin e Yang, brilhantemente exemplificada pelo seu mundo minimalista e monocromático.

Grande parte dos puzzles podem e devem ser ultrapassados com recurso a mecânicas de construção herdadas de Minecraft, mas utilizadas com bom gosto e sobriedade, não se tornando a missão do jogo a construção per se, mas utilizá-la inteligentemente como ferramenta de intervenção neste mundo dual.

Com uma direcção artística quase antípoda da de Embers of Mirrim mas a mostrar o quanto duas linguagens tão distintas, por um lado o detalhe de um e o desprendimento conseguem trazer-nos duas propostas de puzzle games tão sólidas, e tão criativamente gratificantes.