
Penso não existir melhor forma de comemorar os 35 anos de um dos mais importantes e influentes jogos da História do que lançar uma sequela cuja originalidade lhe preste homenagem. Foi a 23 de Outubro de 1988 que o Japão viu chegar às lojas o jogo Super Mario Bros. 3, o título que para mim define a genialidade que pauta todos os lançamentos da série desde então, com exercícios criativos que tentam manter toda a jogabilidade fresca a cada minuto. E são quase exactamente 35 anos que separam temporalmente esse título do lançamento de Super Mario Bros. Wonder, a mais recente aventura bidimensional que continua a colocar o famoso canalizador italiano como o padrão dourado da indústria dos videojogos.
É também curioso que se retirarmos da equação os dois Maker que serviram como uma espécie de exercício DYI na criação dos jogos de Mario, e já se passaram 11 anos desde que recebemos um novo jogo bidimensional principal de Super Mario, que desde New Super Mario Bros. U (e a sua expansão New Super Luigi U) não tinha qualquer novidade. Tendo também em conta que no mesmo período recebemos dois novos títulos tridimensionais, 3D World e Odyssey, mais a expansão Bowser’s Fury, e muito havia a ansiar com uma expressão mais tradicional do Mario.
Como seria de esperar, dado o sucesso que Super Mario Bros. Wii teve ao introduzir pela primeira vez um modo cooperativo multijogador, um dos grandes protagonistas deste Super Mario Bros. Wonder é mesmo a possibilidade de dividirmos o ecrã com até 4 jogadores. Uma experiência familiar que permite que cada um escolha a abordagem e o desafio que melhor se adequa a si. De entre o vasto elenco disponível os jogadores mais experientes poderão jogar com Mario, Luigi, Princess Peach, Princess Daisy, (Yellow e Blue) Toad e Toadette, já que estes trazem consigo as características habituais da série, para além de poderem usar power-ups, algo que nem os 4 Yoshi coloridos ou o Nabbit podem fazer. Estes últimos equilibram a incapacidade de utilizarem poderes com a sua invulnerabilidade, sendo que os Yoshi conseguem ainda saltar mais alto e comer os inimigos.

Seja um jogo solitário ou até quatro, esta nova aventura bidimensional de Super Mario leva-nos até a um novo reino vizinho de Mushroom Kingdom, o Flower Kingdom, governado pelo Príncipe Florian, que convida o elenco da série para conhecerem os maravilhosos poderes da Wonder Flower, e da sua capacidade de alterar a realidade. Curiosamente, e dado os efeitos psicotrópicos presentes em alguns níveis, é irónico que seja no Reino das Flores que os habitantes do Reino dos Cogumelos tenham contacto com trips tão extraordinárias.
É claro que nenhuma celebração nestes mundos estariam completas sem que o Bowser a interrompesse e de alguma forma a virasse contra heróis – ainda que deixe, como sempre, todas as ferramentas para a sua própria derrota num movimento óbvio de auto-sabotagem que deixaria o Thanos orgulhoso.
Com regiões distintas, o hub world de Super Mario Bros. Wonder e a forma como vamos interagindo com cada um dos biomas demonstra o exercício criativo da equipa liderada por Takashi Tezuka. O level design e o desafio associado a cada bioma está intimamente ligado aos temas de cada mundo, e de que forma é que esse mundo é mais do que um conjunto de níveis, mas a faísca criativa que permitiu à equipa da Nintendo EPD de praticamente nunca repetirem ideias mecânicas neste jogo. Em correlação com isso está a introdução da Wonder Flower, um elemento que nos garante uma alteração inédita em cada nível. É esta utilização da Wonder Flower como carte blanche criativa que permite que esta altere a estruturas dos níveis, as regras de game design do jogo, que transforme os nossos protagonistas ou que nos dê poderes e habilidades estranhas. Com esta a funcionar como uma espécie de portal para uma dimensão paralela onde tudo muda, estes momentos são um desafio encerrado em si mesmo, visto que no final do percurso sob este efeito encontramos uma Wonder Seed, os elementos coleccionáveis deste jogo.

A bizarria que estes momentos trazem são extremamente salutares quando vemos o conservadorismo extremo ao qual a maioria das produções AAA são vetadas, sob o temor do risco financeiro. Sermos transformados numa bola de picos, numa plataforma com pernas, vermos um cano a ganhar vida e a fazer “a minhoca” ou outras dezenas de mudanças surreais que vemos acontecer são apenas alguns dos elementos com que cada nível nos surpreende.
A pouco e pouco essa percepção de que cada efeito de Wonder Flower é diferente do anterior cria em nós uma expectativa como sinto que nunca experienciei num videojogo. Um misto de curiosidade e ansiedade de perceber para onde é que essa camada sobreposta de level e game design de Super Mario Bros. Wonder nos leva.
Mas este constante sentimento de inovação e descoberta não se fica pelo exercício quase patológico dos game designers que constituem a Nintendo EPD de tornarem algo tão reconhecível como um Mario bidimensional em algo diferente dentro da sua história. A adição dos crachás com habilidades distintas vem trazer não só outra camada de desafio, como outros poderes ou capacidades aos nossos personagens, que vão desde podermos estar sempre a pular automaticamente, a termos uma espécie de arpéu feito de folhas. À medida que vamos avançando no jogo e desbloqueando alguns segredos, vamos tendo acesso progressivo a novos poderes associados a estes crachás.
Como só podemos escolher um crachá antes de entrarmos em cada nível, esta escolha pode facilitar o desafio que temos pela frente, especialmente se tivermos em consideração que cada nível é agora definido com um conjunto de estrelas, de 1 a 5, para indicar a sua dificuldade. O equilíbrio difícil de atingir pelos games designers foi o de permitir que o jogo seja passado na íntegra sem a necessidade dos crachás, mas algumas das Wonder Seeds ou mesmo caminhos e tesouros secretos são acessíveis com o recurso a crachás e/ou a power ups. Uma decisão mecânica que denota a inter-inspiração que acontece nas grandes séries da Nintendo, com Kirby a servir aqui como base de apoio para a camada opcional de coleccionismo de Super Mario Bros. Wonder.

Super Mario Bros. Wonder é a verdadeira comemoração daquela que é, indiscutivelmente para mim, a série de videojogos mais importante da História, e sobretudo do meu jogo favorito de sempre, Super Mario Bros. 3. Um título que permitiu aos designers principais, Takashi Tezuka e Shiro Mouri de quebrarem todas as regras, de nos obrigarem a repensar tudo o que achávamos que eram as balizas onde se movia um Mario bidimensional, e criarem uma masterclass de level e game design.
Num ano repleto de excelentes jogos, a cortina não cai até que um jogo de Super Mario venha cativar o holofote para si, num jogo verdadeiramente obrigatório não só para amantes de jogos de plataformas, famílias, mas sobretudo para qualquer criador de videojogos.













