
Morrerei de pé a defender o argumento que tenho esgrimido nos últimos anos, de que o grande problema da acessibilidade dos videojogos é o tempo, e não o dinheiro. Nunca foi tão acessível jogar, seja com tremendas experiências experiências single player, pelas milhentas subscrições que são tantas que dava para fazer uma equipa de futebol de 11 com banco de suplentes, ou mesmo com os bundles de keys ao preço da uva com problema do trato urinário. O nosso problema é mesmo o nosso tempo, entre jogos que querem que invistamos quase 100 horas ou outros que nos querem cativos ad aeternum num modelo de game as a service.
Têm sido os jogos indie a dar-nos o resto: a trazerem-nos as experiências com significado e relevância mesmo que condensadas no tempo, onde a mensagem e o impacto são condensados de forma honesta.

Um desses maiores exemplos é um jogo cujo desenvolvimento segui de perto, tão perto quanto a distância do Twitter permite, entenda-se, intitulado Spilled!.
Desenvolvido por Lente, uma solo developer neerlandesa a viver e a trabalhar o dia todo num barco (ironicamente ou não, a desenvolver um jogo em que controlamos um barco) e que é uma experiência cozy, extremamente relaxante, e condensada em cerca de 1 hora de pura doçura e ao mesmo tempo, sensibilização ecológica.
Em Spilled! controlamos um pequeno barco responsável por limpar mares poluídos, recolhendo resíduos espalhados pelo oceano. Os controlos são simples, ainda que sintamos que poderiam estar um pouco melhor resolvidos à medida que o pilotamos através das suas 8 curtas áreas que servem, de uma certa forma, como níveis. Nestes diferentes cenários marítimos, quase biomas, a nossa missão vai sendo a de limpar o petróleo, tanto da água como no ambiente circundante, e ao mesmo tempo ir resgatando animais presos na poluição.

Com o passar do tempo e com o dinheiro amealhado por limparmos as áreas destes derrames petrolíferos é possível melhorarmos o nosso barco, expandindo a sua capacidade de armazenamento e velocidade, o que traz uma leve camada de progressão ao gameplay.
Um elemento mais “tradicional” de loop mecânico que encaixa na perfeição num título com total ausência de combate (ainda que com uma surpresa numa parte do jogo) ou qualquer tipo de tensão e faz com que Spilled! se ajuste na definição de cozy games, jogos ideais para sessões mais tranquilas e contemplativas.

Para além da sua óbvia mensagem e da nossa necessidade crescente (e urgente) de cuidarmos do nosso planeta e dos nossos mares, diria que sem qualquer dúvida que a direcção de arte do jogo com a sua paleta suave e elementos low poly estilizados com texturas em pixel art o evidenciam visualmente de outros jogos. O ambiente acolhedor fica ainda mais completo com a banda sonora minimalista, composta por faixas calmas e atmosféricas que complementam bem a proposta do jogo: reflectir sobre a natureza enquanto se realiza um acto simbólico de cuidado com o planeta e de limpeza dos mares, transmitindo-nos a sua mensagem de forma clara: o oceano está poluído, e pequenas acções podem fazer a diferença.
Há uma metáfora visual que se desenrola de forma subtil à medida que vamos limpando áreas inteiras, e vemos a vida marinha a retornar e o mar a recuperar sua cor e beleza originais. Mecanicamente este jogo mexe com jogadores – como eu – sequiosos pelo completionism de querer limpar áreas inteiras de objetivos, sendo que aqui estes objetivos são manchas de crude.

Numa era em que jogos inflados de tempo exigido mas vazios de conteúdo dominam os escaparates digitais, Spilled! é um exemplo de como um jogo pode ser ao mesmo tempo, simples e significativo. Uma experiência belíssima, relaxante e profundamente ecológica desenvolvida apenas por uma pessoa, que imprimiu em cada pixel a profunda paixão que tinha por este projecto, e por extensão, pelo meio ambiente.













