Os filhos dos anos 1970 e 1980 reconhecem o logo da SNK como o símbolo de um sítio que nos marcou o crescimento, como um dojo virtual que nos tornou mestres guerreiros dos golpes de dois botões. Sejam as suas séries como Art of Fighting, Fatal Fury, ou a mais célebre e filha destas duas, King of Fighters, desde os tempos áureos das arcadas e das consolas de 16 bits que as séries da SNK eram respeitadas pelos fãs do género, mas menos conhecidas que Street Fighter e Mortal Kombat.

Foi com um total sentimento de surpresa que recebi o anúncio de FATAL FURY: City of the Wolves, que marca o regresso de uma das séries de jogos de luta da SNK que joguei, encerrando um longo hiato desde Garou: Mark of the Wolves, lançado em 1999. Este novo capítulo não é apenas uma continuação espiritual, mas uma verdadeira reimaginação do que Fatal Fury pode ser no século XXI, tentando colocá-lo na cena competitiva dos eSports com uma lavagem de modernidade numa coreografia explosiva de combate.

Desde os tempos da Neo Geo que Fatal Fury ajudou a definir a identidade dos jogos de luta da SNK, e notabilizou personagens como Terry Bogard e Geese Howard, e com City of the Wolves, a SNK regressa a esse legado, mas com um foco claro em actualizá-lo para um público que cresceu com Street Fighter V, Guilty Gear Strive e Tekken 8.

A primeira coisa que percebemos é o estilo visual: uma combinação vibrante de cel-shading estilizado com animações fluidas e efeitos de impacto que parecem arrancados directamente de uma série de animação, aproximando City of the Wolves do que jogos como Dragon Ball FighterZ ou Street Fighter 6 têm feito. 

No centro desta nova entrada estão os lutadores, desde veteranos como Rock Howard e Terry regressam, agora mais envelhecidos, mais calejados, mas ainda movidos pelo fogo interior, numa passagem de tempo notoriamente inspirado no que a Capcom tem feito com SF. Rock, em particular, assume o papel de protagonista com uma densidade dramática interessante, sendo filho adoptivo de Terry, herdeiro do poder brutal de Geese, e símbolo de uma nova geração de lutadores. Ao seu lado e contra si, surgem novos personagens com estilos diversos, origens intrigantes e motivações que remetem para o caos constante de South Town.

A maior surpresa de todas foi a inclusão de Cristiano Ronaldo (siiiiiiiiiiiiiiiiiiim!) como personagem jogável, surge não apenas como uma curiosidade ou cameo, mas como um lutador completo, com um conjunto de movimentos inspirado tanto na sua agilidade atlética como na sua presença carismática, e a sua gama de ataques inclui fintas e remates acrobáticos que se transformam em projécteis de energia. A SNK justificou esta escolha como uma homenagem ao espírito de superação e ícone global que o português (e sportinguista) Ronaldo representa: uma figura que, tal como os heróis de South Town, se ergueu das ruas para conquistar o mundo. Uma justificação bonita para a inclusão daquela que é a figura mais reconhecida do planeta.

Com 26 anos a separar o anterior jogo e este, percebemos que o sistema de combate sofreu alterações subtis mas eficazes: o ritmo é ligeiramente mais cadenciado do que em King of Fighters, favorecendo o jogo neutro e os mind games entre adversários. Introduziu-se uma nova mecânica de “Revenge Arts“, permitindo contra-ataques cinematográficos que conjugam risco e espectáculo. 

Apesar de eu achar que o reboot de Mortal Kombat (e a série Injustice) representarem o padrão do que devem ser as histórias contadas em fighting games, outro ponto que merece destaque em FATAL FURY: City of the Wolves é a ambição narrativa. A SNK investe, pela primeira vez de forma mais declarada, numa história contada entre combates com cenas animadas, diálogos contextuais e evoluções reais dos personagens. Ainda que não se afaste demasiado dos arquétipos clássicos do género, há um esforço claro para dar à cidade dos lobos uma mitologia própria, ainda que decadente, e ao mesmo tempo bela e melancólica.

FATAL FURY: City of the Wolves não tenta reinventar a roda, mas sim afiná-la com paixão e respeito pela sua própria história, mas com um esforço em aproximá-la dos jogadores contemporâneos, mas sobretudo da cena competitiva moderna, onde se quer posicionar, ombro a ombro, com os gigantes.