Uma análise a Skyshine’s Bedlam

O cinema e os videojogos têm demarcado uma imagem muito clara do que acontecerá depois do apocalipse. A Terra tornar-se-á um deserto em que os poucos sobreviventes vão unir-se e matarão barbaramente todos os que estiverem fora do seu grupo, deslocar-se-ão em veículos estranhos feitos a partir de sucata e em que a música da Ana Malhoa é uma espécie de hino de guerra omnipresente cuja batida constante activa o coração beligerante de hordas de salteadores.

Max Max 2: The Road Warrior de George Miller (mais do que Mad Max de 1979, o mais discreto orçamentalmente) acabou por estabelecer para sempre o que imaginamos visualmente do setting. Wasteland, Fallout, e tantos outros videojogos tomaram como base esse ambiente como patamar visual para mundos pós-apocalípticos. Skyshine’s Bedlam não poderia disfarçar esta influência, e ao primeiro contacto na Gamescom (que me fez inclusivamente colocá-lo no meu top de jogos do evento) percebi o cruzamento claro entre a franquia de Miller, FTL (na jogabilidade) e The Banner Saga (sobre cujo motor este Bedlam está desenvolvido).

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Outro impacto que Skyshine’s Bedlam teve em mim foi uma certa semelhante visual com o traço de Steve Dillon, o aclamado autor de BD responsável pelo genial Preacher e por algumas fases de Judge Dredd. A paleta de cores utilizada também é igualmente semelhante, e ver cada uma das ilustrações que acompanham o jogo é um verdadeiro regalo, fazendo-nos ansiar, por exemplo, com uma série de Banda-Desenhada em torno do jogo.

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Os roguelikes parecem ter ressuscitado de um clima de esquecimento a que foram votados nas últimas décadas. Diria, sem dados para o sustentar, que estes últimos dois anos poderão ser o melhor momento do género: em que mais jogos foram lançados e mais unidades vendidas. Skyshine’s Bedlam é um roguelike muito particular, trazendo a estratégia em tempo real para o campo dos jogos processualmente gerados, e piscando o olho aos fãs de Fire Emblem e Advance Wars que querem suprir a ânsia de novos jogos, e que dispõe de um PC. Ao bom estilo RPG, o jogo informa-nos de pouco ou quase nada, obrigando-nos a ir aprendendo e a aumentar a nossa mestria de jogo a cada jogada. Os menus de loading vão deixando algumas sugestões que o jogador mais incauto irá ignorar. Apenas para encontrar o ecrã de Game Over uns minutos depois.

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E por falar em Game Over, como bom roguelike que se prese, Bedlam não é apenas desafiante: mas sim, é estupidamente difícil. Dos 22 New Games que já fiz, já consegui morrer de diversas formas. É que apesar da história simples, em que controlamos um veículo gigantesco (o Dozer) com centenas de sobreviventes atyravés do deserto, e no qual temos de chegar a uma cidade, que, dizem, será uma espécie de oásis em tempos de guerra e fome, temos diversas variáveis que podem levar-nos à derrota. Para além da comida e do combustível (em que a falta de qualquer um destes levar-nos-á a começar um jogo novo), também a morte permanente de todos os membros da nossa tripulação (os combatentes, digamos assim) deixariam as centenas de refugiados em total vulnerabilidade contra todas as restantes facções. Ao bom estilo dos Choose Your Own Adventure como Fighting Fantasy, o ritmo processualmente gerado do jogo pode levar-nos, por exemplo, a ser invadidos por bandidos. Tive uma missão em que ao deslocar-me pelo deserto entre dois pontos, um mendigo humano pediu-me ajuda. Tinha as hipóteses de ignorar ou deixá-lo entrar, e, na esperança de ele poder vir a ser uma adição à tripulação, aceitei ajudá-lo. A minha escolha permitiu a que um grupo de bandidos associados a esse “mendigo” entrassem no cais de embarque do meu Dozer. Inicia-se uma batalha em que eu vergonhosamente perdi. Resultado: os bandidos tomaram de assalto o meu Dozer e eu ganhei um valente Game Over.

Como roguelike que é, cada novo jogo é distinto do primeiro, o que nos obriga a ter máxima cautela a cada escolha que fazemos. O flavour do texto que surge a cada evento permite-nos construir uma narrativa interessante que dá uma substância adicional a um jogo que poderia, facilmente, ser menos que isto.Há muito do meu adorado Out There neste jogo, e talvez essa seja uma das razões pelas quais eu tão rapidamente percebi o grande potencial de Bedlam.

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A parte menos positiva de Bedlam reside nos seus controlos. É que associando a um combate por turnos extremamente difícil e punitivo, onde a permadeath dos nossos poucos personagens é algo que tem de ser evitado a todo o custo, o esquema de diferentes cliques para atacar e mover parece-me resultado de uma má estratégia de game design. Num jogo em que, para além da permadeath, temos de contar com apenas 2 acções em todo o turno, os controlos deveriam ser únicos para ambas as acções. E quando digo duas acções refiro-me a duas acções por completo e não por personagem. O que dificulta, e muito, todo o jogo. Somando a isto, por diversas vezes perdi personagens porque cliquei indevidamente e ele moveu-se qual soldado suicida para om alcance de tiro do adversário. Skyshine’s Bedlam obriga-nos a estar hiper-concentrados em todos os turnos possíveis e ainda a lembrar-nos que um botão de rato comanda ataque e o outro o movimento. Parece pouco? Mas não é. Não num jogo em que essas duas singelas acções por turno aliam-se a todo o stress que cada combate traz. Facilmente cometemos um erro tão primordial como clicar no sítio errado. E não há botões de undo.

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O melhor: o setting, as diversas narrativas criadas em cada run, o visual, o desafio.

O pior: às vezes desequilibra a balança entre desafio e punição excessiva, os controlos de combate.

A apresentação que me foi feita de Skyshine’s Bedlam por Steve McNitt durante a Gamescom deixou-me com uma imensa vontade de jogar este desafiante roguelike. Curioso que mesmo durante a hora em que durou a apresentação, e ali com Steve ao lado a dar-me algumas dicas de principiante, consegui perder uns quantos personagens, o que me fez perceber que o que me esperava na full release não era nenhum passeio no parque. Bedlam traz-nos um dos jogos com múltiplas escolhas, múltiplas narrativas, em que cada novo jogo é diferente do anterior. Se no pós-Gamescom considerei-o um dos melhores que joguei, hoje possoa firmar sem problema que é um sério candidato a um dos meus jogos do ano. Despeço-me com amizade (como o grande Engenheiro dizia), mas agora vou tentar sobreviver no deserto com outra raça. A morte ou o sucesso esperam-me. Mas com o desafio que o jogo representa o mais provável é mesmo ser a morte.

Skyshine’s Bedlam é um exclusivo PC.