A primeira aventura-gráfica que joguei foi The Secret of Monkey Island de Ron Gilbert. A primeira aventura-gráfica que o meu filho “jogou” foi Thimbleweed Park de Ron Gilbert (e Tim Schafer). Entre estes 2 momentos vão vinte e sete anos muito pouco perceptíveis entre si.

Antes de mergulharmos em Thimbleweed Park aquele “jogou” com as devidas aspas necessita de ser esclarecido. O meu filho vai fazer 4 anos no próximo mês, e ainda que tenha uma educação bilingue desde que nasceu, é mais do que óbvio que a complexidade de resolução e raciocínio que uma aventura-gráfica “da LucasArts” tornaria a tarefa de terminar o jogo quase impossível nesta idade. Mas, à semelhança do que me aconteceu quando peguei nas minhas primeiras aventuras-gráficas, jogá-las e resolvê-las pode ser um momento de partilha, como o fiz em miúdo com o meu primo mais velho e com um vizinho, e como faço agora com o meu filho.

À mistura da idade dos porquês, aproveitar para reproduzir as linhas de raciocínio por trás de cada tentativa ou de cada resolução de puzzle em Thimbeweed Park tem sido uma agradável actividade de partilha com o meu filho, que me parece estar mais do que disponível para ver o desenrolar da história. “Mas afinal quem matou o pai da menina?” pergunta ele. “Isso é o que temos de descobrir” respondo-lhe eu.

Apesar do tom tenebroso da pergunta que o meu filho me fez, e do facto de Thimbleweed Park ser um sucessor espiritual de Maniac Mansion, também de Ron Gilbert, o humor é a bizarria são presenças obrigatórias aqui.

Começamos a história a controlar 2 agentes do FBI, Reyes e Ray – que em muito fazem lembrar a imagem de Mulder e Scully e a levar de forma derradeira o jogo para a imagética de Twin Peaks – e que estão a investigar um assassinato, de um personagem que conhecemos (e controlamos) no prólogo.

Esta é apenas a porta de entrada para um mundo que simula 1987 e um elenco memoráveis como Gilbert e Gary Winnick nos habituaram. Thimbleweed Park possui 5 personagens jogáveis, os 2 agentes já referidos, Delores, uma aspirante a game developer cuja decisão de fazer jogos levou a sua família a cair em desgraça (e que é ela mesma a vergonha da família, apesar de ter uma irmã prostituta), Franklin, o pai destas, e que controlamos em fantasma no seu post mortem e Ransome, o palhaço amaldiçoado pela bruxa da cidade.

Apesar destes cinco serem os personagens controláveis, o resto do elenco que o acompanha não poderia ser mais LucasArts-esq, como o xerife/médico legista/recepcionista do hotel ou as duas canalizadoras do paranormal que se vestem de pombos a fazer biscates pela cidade. Esta descrição pode parecer estranha a muitos “novos” jogadores (ou antigos) que não contactaram antes com jogos da LucasArts. É deste tipo de elenco, de loucura saudável que nos marca a memória que constituía parte da fibra tremenda dos jogos do estúdio.

É aliás para os “velhos” jogadores que Thimbleweed Park foi feito. Numa era em que as aventuras (ditas) gráficas deram passos consideráveis em termos de interface e desenrolar mecânico, o novo jogo de Gilbert recupera o que de mais essencial existe no género na transição entre as duas últimas décadas dos Séc. XX: a combinação nominal entre a necessidade de escolher as acções através de uma lista de verbos, ao invés dos contemporâneos menus radiais de interacção.

O desafio está aqui como nos velhos tempos, mas com ligeiras atenuações. É claro que quando falamos em velhos tempos não falamos daquele que precedem The Secret of Monkey Island, o jogo onde Gilbert implementou todas as considerações que tinha feito com a sua história no género, eliminando a morte e a possibilidade de ficarmos presos num jogo. Falo sim dos bons e velhos puzzles, de apanhar uma dose infindável de itens na esperança de que possam vir a ser úteis e ficar com o inventário cheio de arenques vermelhos. Dos múltiplos diálogos, das inesperadas interacções entre objectos e pessoas, e de coçar a cabeça (literalmente) e andar para a frente e para trás (no jogo e literalmente) a pensar no que terei deixado por fazer.

“Não sei o que fazer” foi uma resposta frequente à pergunta ainda mais usual do meu filho “e agora, pai?”. Cada personagem tem a sua própria agenda pessoal materializada de forma literal por checklists no inventário e que servem de muleta à progressão no jogo. Mas ao estilo de Maniac Mansion são muitos personagens para equilibrar e muito terreno e muitos pixeis para percorrer. Tantos pixeis e tantos cliques que um dos objectivos de Ransome é a colecta de 60 grãos de pó, que são, obviamente, pequenos pixeis brancos perdidos no ecrã. Mas os puzzles não são injustos ou cruéis, nem são excessivamente déja vu para quem jogou tudo o que existia para jogar nos 1990s. Estão ali no ponto médio, naquele equilíbrio difícil de encontrar e que tão bem sabe quando é atingido. E Thimbleweed atinge-o.

Há muita auto e inter-referenciação neste jogo e é esse apelo que o torna uma viagem que poderia ficar-se pelo mero piscar-de-olhos retro como um jogo que exala a verdadeira essência da época, do game design e da qualidade de então, trazendo de volta Gilbert que ainda é para mim um dos grandes game designers da sua época.

Thimbleweed Park é aquilo que foi prometido na campanha de sucesso de Kickstarter: um jogo clássico da LucasArts, trinta anos depois de Gilbert, Winnick e Schafer terem aberto as portas para uma interpretação dourada do género, e que apele a quem os jogou. E muito provavelmente apenas a estes. A sua representação mimética de um período dos videojogos poderá (e afastará certamente) novos jogadores. São diversos capítulos, longas horas e muitos puzzles disponíveis com o velho sabor dos jogos da LucasArts que não só definiram o género como se tornaram para sempre o standard de comparação.

Foi bom voltar ao ambiente de Maniac Mansion, e foi bom relembrar o momento de partilha que os jogos de aventura constituíram para mim na minha infância, mas agora a passar esses testemunho e essa paixão pelo género ao meu filho. Thimbleweed Park é até agora um dos meus jogos favoritos do ano e certamente o melhor do género, num 2017 que parece até já ter deixado as aventuras-gráficas num cantinho atrás da memória.