Tive um professor de Design que dizia que os mais influentes arquitectos da cidade de Lisboa eram os serralheiros que construíam marquises. Não foi Pardal Monteiro, nem Cottinelli Telmo, nem Luís Cristino da Silva, ele afirmava em tom jocoso que foram serralheiros, porque esses respondem à necessidade de ganhar uma divisão extra sacrificando varandas.

Monster Hunter Stories é, para o verdadeiro colosso como é a série Monster Hunter, uma marquise. E isto nem é dito com qualquer tom pejorativo, mas como uma assunção da realidade misturada com um bater de palmas para a Capcom.

Monster Hunter é uma série hermética e está bem consciente e feliz com essa realidade. Ainda que seja um colossal sucesso especialmente no Japão, o seu ritmo e ciclo interminável de grind para encontrar recursos para construir armaduras e armas que permitam fazer grind de um novo monstro acaba por ser cansativo, pelo menos para mim, que apesar de reconhecer a qualidade dos jogos não consigo mergulhar na sua lógica de hobby a resvalar para o emprego que eles implicam.

Esta clausura da série acaba por ser detractora de conseguir novos jogadores, tal é a polarização do público em relação a ela. Ou se adora e se segue cegamente ou se cria anticorpos automáticos e se ignora.

Com um mundo interessante, não é surpresa alguma ver a Capcom a explorar a série para além dos seus limites habituais, quiçá, na vontade de cativar público que o título principal não conseguiria de outra forma. E qual a maneira mais simples de o fazer? De colar a uma lógica de coleccionismo e JRPG típica e celebrizada por Pokémon.

Há um apelo muito grande neste Monster Hunter Stories, que cedo demonstra ser mais do que um mero spinoff. A começar pelo maior peso narrativo, que assume um destaque maior do que a fina linha de texto que serve de justificativo de enredo na série principal.

Aqui existe uma construção mais sólida e que acaba por engrandecer o universo de Monster Hunter como um todo, criando explicações e pequenas histórias em torno dos Riders, os caçadores deste mundo.

O combate de action RPG dá lugar a um salutar e sólido combate por turnos que acaba por conferir a necessária simplicidade dos JRPGs, e que se interliga na perfeição com o objectivo deste Monster Hunter Stories. Num sistema de pedra-papel-tesoura entre ataques técnicos, velozes e poderosos, os confrontos directos são usualmente resolvidos ao encontrar quem tem a primazia no combate. Por exemplo, se o monstro adversário escolher um ataque de Poder e nós escolhermos um de Velocidade, levaremos a nossa a avante e teremos a vantagem no confronto directo.

A nossa party é constituída pelos monstros que vamos “apanhando” ou cujos ovos conseguimos encontrar, ainda que estes não sejam controláveis por nós. Nós só controlamos o nosso Rider, e apenas em situações em que este acaba por montar algum dos seus monstros* é que o poder de ambos se combina e passamos a tomar as decisões por ambos.

O grind também existe em Monster Hunter Stories, e seria estranho que assim não fosse. Era como um spinoff do Mario não permitir saltos de forma alguma. Continuamos a precisar de derrotar Monstries (como tão carinhosamente são apelidados em MHS) para conseguir materiais específicos para construir armas e armaduras, mas há tanto mais para fazer com a aura gotta catch’em all do jogo que sentimos o seu impacto de forma mais leve do que esperaríamos.

É claro que para um jogador-coleccionador (como é o meu caso), grande parte do apelo deste Monster Hunter Stories e aquilo que me manteve (e mantém) agarrado é a possibilidade de encontrar e apanhar todos os ovos disponíveis no jogo.

Com a sua mudança de estilo, género, e tom, Monster Hunter Stories abre a série para um público mais alargado do que o seu ramo principal. Um JRPG simpático e com um tom mais “fofo” que pisca o olho a todos os fãs de Pokémon e Digimon (e todas as restantes cópias como o defunto Monster Rancher) e que acaba por ser mais coeso e mais surpreendente do que esperaríamos.

Monster Hunter Stories é um spinoff mas não é apenas isso. É o Monster Hunter que todos os que não são fãs da série não sabiam ainda que queriam ter, e que após o primeiro contacto facilmente os (nos) conquistou. A maior parte de nós não gosta a priori de uma marquise, mas só depois de vermos uma é que percebemos que afinal precisávamos mesmo de a ter. Acho que ninguém sabia que precisava ou queria um JRPG de Monster Hunter, mas depois de Stories é óbvio que afinal até queríamos.

* por favor, não entendam a frase dessa maneira.