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Remédios para a calvície são primordiais. Qualquer homem preocupa-se com a calvície a dada altura da sua vida e este não é um facto novo. Tão velha como esta preocupação é a matreirice. Sempre houveram espertalhões a querer tirar partido desse desejo impossível de alcançar.

Nos videojogos há algo parecido: o “Open World”. Qualquer coisa com isto escrito na capa funciona como papel mata moscas: caem la todos! E, claro, mais uma vez, há sempre um espertalhão a tirar partido disso.

O conceito de “Open World” não é tão recente como possa parecer. Desde que os videojogos foram inventados tem sido um objectivo difícil de atingir, principalmente por condicionantes técnicas que hoje estão mais fáceis de concretizar. Demos um salto tecnológico gigante na computação, conceitos e fórmulas que ontem foram idealizadas hoje podem ser empregues com efeitos espetaculares à vista. Mas será que chegámos a esse pináculo? Será o “procedural generation” o remédio milagroso que todos estávamos à espera?

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Sim e não. Eu diria mais um “Nim”, por um conjunto de factores que muitos ignoram. O primeiro prende-se com o conceito de crescimento exponencial. Matematicamente, quanto maior o número de variáveis, maior o número de combinações finais possíveis. Se pegarmos num baralho de cartas convencional e tirarmos duas cartas (por exemplo, o 2 de paus e a Dama de ouros), quantas combinações conseguimos fazer com esse par? Duas: numa, o 2 de paus está em cima, noutra, a Dama (2×1=2). O que acontece quando acrescentamos mais uma carta? 6 combinações (3x2x1=6). E se forem quatro cartas? 24 combinações (4! = 4x3x2x1 = 24). Se este processo se estende o suficiente, eventualmente chegamos a 20 cartas, onde o número de totais combinações possíveis é 2,432,902,008,176,640,000. Com as 52 cartas do baralho, podem imaginar que esse total é muito maior. Claro está, muitas dessas combinações passam por trocar as primeiras duas ou três cartas uma pela outra, várias vezes, mantendo todo o restante baralho exactamente igual ao anterior. É aqui que existe o segundo problema: a repetição.

Produção de assets (ou seja: objectos, texturas, etc) é limitado por tempo, orçamento e espaço no disco. Eventualmente (e não demora muito) os assets que vemos começam a repetir-se, quebrando quaisquer ilusões de “infinito”. Na realidade, são apenas umas 50 cartas baralhadas à toa.

Fora toda esta conversa de pseudo-intelectual geek, vamos ao que interessa: que raio de “bate-papo” vem a ser esta treta na indústria ultimamente?!
Digamos que coisas pouco compreendidas tendem a ser as melhores para enganar as pessoas. É uma técnica velha. Usar linguagem técnica para surpreender multidões e fazê-las pensar que tu realmente sabes do que estás a falar. Uma plateia a ouvir uma salgalhada de barbaridades e aplaudir o conhecimento do Doutor. Depois vem a sessão de autógrafos e um livro para vender, que daqui a uma hora vou ter que ir para casa encontrar-me com a jornalista que vai escrever sobre mim.

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Mundos abertos são o Santo Graal quer seja para as produtoras quer para os consumidores. Nós, aqueles que passam vastas horas a jogar. Porque é da nossa própria natureza primordial a exploração, é um comportamento que nos serviu durante anos para sobrevivermos e popularizarmos este planeta. Agora, não é tanto usado, mas está lá. Continua a ser uma necessidade que diria quase fisiológica e os espertos sabem disso. Tanto o mundo aberto como o processual existem há muito tempo, têm sido muito usado em RPGs e sobretudo em jogos de exploração espacial. É uma forma, se não a única forma, de criar mundos grandes aparentemente gigantes ou infinitos com pouco trabalho e tempo dispensado.

Repetição – quem estuda psicologia e marketing sabe o que estou a falar: “o fluxo, também conhecida como a zona, é o estado mental de operação em que uma pessoa que exerça uma actividade está totalmente imerso em um sentimento energicamente focado, o pleno envolvimento e prazer no processo da actividade”.
Em gaming, o nome a que damos a isto é imersão. O truque em manter esse estado é balancear os diferentes estados como a ansiedade, o aborrecimento, etc. É muito difícil e quem tem a fórmula exacta para o concretizar estará podre de rico. Vemos isso em jogos de grande sucesso e extremamente populares como FarmVille, Candy Crush, Flappy Bird e até Minecraft.

Porém, como sempre, há os espertalhões que, querendo ter o mínimo trabalho possível, têm a grande vocação em criar algo que cative as massas absurdamente cegas e obcecadas pelo “open world” que vão defender algo mesmo que seja uma autentica burla. No Man’s Sky é um jogo que, se não fosse uma vigarice bem planeada, tenho que dizer, poderia ter sido um projecto simples e humilde sem promessas falsas. Como previ, nem toda a gente é cega. Nem toda a gente ainda se deixa impressionar facilmente mas há sempre mais gente facilmente impressionável do que o contrário. Há quem ouviu falar no jogo mas por outros motivos esteve fora das polémicas, como há quem nem sequer saiba o que significa uma galáxia ou o que é um “quintilhão” – há gente que nem sequer sabe fazer uma simples divisão, quanto mais.

Um pouco como as tele-vendas: fazem de tudo para fazer-nos crer que aquilo é a peça de hardware mais útil do universo. Muita malta compra aquilo mas, quando descobre que foi enganada, até pode defender o produto simplesmente para esconder o facto que foi levada pelo entusiasmo e burrice. Ninguém gosta de admitir que foi palerma e acredito que muitos produtores se aproveitem disso. A “hype culture” é muito real.

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Não estaria a falar disto se não fosse algo que custasse 70€. Um jogo que, afinal de contas, não é tão vasto nem tão diverso como publicitado. Vão ver coelhos verdes com 3 olhos num planeta, coelhos cor de rosa com antenas de formiga e patas de aranha num planeta verde, mas no fundo são só coelhos (ainda por cima, feios como tudo). Não há estrelas, apenas a representação delas na skybox. Os planetas nem sequer têm rotação. Este belo artista disse vezes sem conta: “É praticamente impossível alguém encontrar o mesmo planeta que outro jogador”. Pois, logo nos primeiros dias, duas pessoas encontram o mesmo planeta. O pior, é que nem sequer é o mesmo planeta na realidade. Apenas uma cópia do seed do planeta como foi encontrado por um jogador, e aleatoriamente colocado no jogo de outro através do servidor. Não podem interagir de todo. O que quer dizer que não é um universo persistente ou qualquer outra treta que tentou impingir. Após umas horas o jogador pode começar a sentir-se imerso mas até aí a Hello Games não soube arranjar artifícios para manter aquele estado mental. Mentira sobre mentira, assim foi criado um jogo que na melhor das hipóteses seria um early-access em fase Alpha.

Virá sempre alguém acusar a critica ao jogo de puro ódio parcial e infundado de alguém que não o jogou ou que não compreende o que os desenvolvedores quiseram fazer. Estou-me a cagar, sinceramente, são uma cambada de burros que deram 60€ por um jogo que, para além de construído sobre mentiras, repetitivo e com pouco conteúdo, está muito mal optimizado. Sim, porque se pensam que corre mal na PS4, fiquem sabendo que é ainda pior no PC.