Há jogos como VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI- que são criados sobre as concepções orientais de união, do sacrifício do id pelo outrem, sob a visão atenta e crítica do super-ego naquilo que são, por vezes, desvirtuações da identidade e do esforço do ego.

A consciência de que o eu nas suas tríplices identificações não consegue subsistir sem uma correspondência simbiótica ao outro-externo, na tentativa de estruturação da identidade enquanto extensão dessa existência que acontece apenas a par, e nunca num esforço solitário. É nesta dicotomia difícil de reunir que Kenichiro Takaki, criador da afamada série Senran Kagura, desenvolveu esta obra, como uma crítica meta-social do isolamento depressivo-urbano, tornando a reflexão psico-filosófica VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI- como uma das mais cativantes, e que nos motivam a todos a mantermo-nos ligados à obra, deixando-nos absorver na profundidade de cada detalhe intelectual.

Ou mamas.

Muito possivelmente mamas. Aliás, se Senran Kagura já era uma ode às glândulas mamárias femininas humanas, VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI- decide elevar esse elogio para um campo metafísico quase-religioso.

Quando pensamos que a tecnologia e os videojogos evoluíram para experiências de quase mimetização do real, com reproduções exímias da Física como nos mostrou The Legend of Zelda: the Breath of the Wild com praticamente tudo o que o compõe, ou o comportamento da gravidade em Super Mario Galaxy, mas que na prática empalidecem perante o desenvolvimento digno de um Nobel daquilo que é o movimento oscilatório e tremelicante dos seios em VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI-.

Brincadeiras à parte, é-me sempre muito difícil conseguir avaliar jogos do espectro deste jogo. Consigo perceber o seu enquadramento cultural, a mistura quase indistinta entre o fan service e a abordagem estética nipónica, e o cumprimento de uma série de requisitos visuais e emocionais que visam a satisfação de dois pólos diferentes: o sexual e o lúdico.

E que isto não seja lido com um tom pudico, de todo. Todos somos consumidores de conteúdos sexualizados soft ou hardcore. Não existe vivalma no (dito) primeiro mundo que não se sinta atraída por conteúdos pornográficos e/ou eróticos. O fan service é apenas mais uma camada dessa resposta dos meios culturais a essas necessidades primordiais humanas.

Quando digo que me é difícil de avaliar falo da análise objectiva daquilo que é um produto que tem um público específico, e que a mim, por exemplo, ultrapassado um tempo específico de exposição às curvas, seios exagerados e poses e atitudes hiper-sexualizadas como em VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI-, estas passam a ser mero ruído branco, e a excentricidade e paródia auto-consciente são despidas por completo deixando a nu como alvo de escrutínio as mecânicas e o game design do jogo.

E aí, no caso de VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI-, existe uma solidez para além da barreira inicial de mero fan service e fantasia lésbica, que o torna um jogo divertido de jogar. Com um sistema de action RPG quase semelhante a Warriors mas a resvalar um pouco mais para a ligeira maior complexidade de Devil May Cry, VALKYRIE DRIVE acaba por converter em mecânicas interessantes os seus conceitos estranhos e incredíveis.

No mundo onde o jogo decorre, dois vírus infectaram a população feminina. Um dos vírus permite que as suas portadoras consigam transformar-se em armas, e outro permite que quem sofre do vírus consiga utilizar como armas as mulheres afectadas pelo primeiro vírus. Faz sentido? Não. Mas acaba por funcionar em jogo.

Para além das 7 personagens jogáveis podemos escolher uma parceira que será a nossa fonte de boosts, e, como podem imaginar, que terá a capacidade de se transformar numa arma para usarmos.

O poder e o efeito de cada transformação está correlacionada com a ligação entre as duas personagens e o quão menos roupa (até à nudez) tem a personagem coadjuvante. Eu que achava que Akiba’s Trip tinha um conceito estranho estou neste momento a reler esta frase que acabei de escrever e que descreve o conceito de VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI-. Parece-me que mesmo as coisas mais tresloucadas servem de enredo e conceito para os jogos nipónicos. Como Drive Girls e as lutadoras quase despidas que se transformam em carros de alta-cilindrada a meio dos combates.

VALKYRIE DRIVE -BHIKKHUNI- é um daqueles casos que para além da componente de action RPG estar bem-conseguida e tão repetitiva quanto qualquer outro exemplo do género, será bem aceite pelo nicho do mercado para o qual o fan service é criado, e rejeitado por toda a gente fora dessa esfera. Para mim, que graças a anos de contacto com a Marvelous e com o Leonel que me apresentou grande parte destes jogos, parece-me que existe aqui um step-up do button mashing de Senran Kagura, tornando o combate um pouco mais interessante e estratégico.

E uma grande melhoria da física das mamas. Já tinha referido isso?