Quando Joseph-Ignace Guillotin propôs em 1879 que a pena capital fosse executada simplesmente por decapitação indolor foi considerado um acto de misericórdia porque até então os pobres eram enforcados ficando minutos a sufocar se não tivessem a sorte do pescoço partir no impacto inicial da queda. As decapitações dos nobres eram feitas com machado ou espada, nem sempre afiadas e os braços do carrasco nem sempre eram fortes ou certeiros obrigando-os a dar vários cortes até poderem erguer a cabeça do condenado perante a multidão que se juntava em frente do patíbulo num misto de fúria e êxtase. É por isso que em The Executioner a minha primeira escolha importante é que o nosso antecessor, pai do nosso personagem, morra pela nossa mão e não pelo seu assistente velho e fraco, uma execução deve ser o mais humana possível.

Há umas semanas escrevi sobre a impunidade de alguns personagens nos videojogos impulsionado por The Executioner, porque neste jogo as coisas que não somos obrigados a fazer não são propriamente recomendáveis. Eu não me enganei, não somos mesmo obrigados a fazer nada, tudo são escolhas, às vezes temos é que escolher o que consideramos o mal menor. Ou o mal maior dependendo do nosso objectivo e falta de escrúpulos. Em The Executioner a nossa função é trabalhar como interrogador e carrasco de um pequeno feudo, mas tudo o que fazemos diz respeito a nós mesmos. Podemos fazer ou não fazer algo desde que estejamos sempre prontos a arcar com as consequências das nossas escolhas. Há um momento que adoro no filme O Advogado do Diabo em que o personagem protagonizado por Keanu Reeves culpa o de Al Pacino por tudo de mal que lhe aconteceu até então e a resposta que ele recebe é algo como: “Não, eu não fiz as escolhas por ti. Tu podias ter recuado, podias ter escolhido outra opção, foi com o teu livre arbítrio que vieste para este caminho.” ou algo assim… The Executioner é um jogo de livre arbítrio, onde podemos ser quão cruéis ou misericordiosos quisermos seguindo então esse caminho até ao fim.

Nesta espécie de Choose your Own Adventure em PC, reminiscente dos clássicos da Fighting Fantasy, vamos controlando as acções de um personagem. Ao contrário dos livros, não me parece existir apenas um caminho certo, até porque dos vários jogos que fiz não acabei nenhum conseguindo uma vitória mas nunca segui caminhos idênticos porque as ramificações de acções são imensas, existindo apenas alguns “fixed points in time” que até agora não foi possível evitar mas foi sempre permitido escolher opções diferentes para seguir. Apenas a primeira situação é igual, a partir daí tudo se abre tendo em conta o que escolhemos fazer. Numa delas aproximei-me da filha de uma das minhas vítimas enquanto a ajudava a investigar o crime do qual o pai foi acusado, e ela me acompanhava enquanto eu torturava e executava vários criminosos. Noutra, acabei por torturar uma criança acusada de matar os pais com a ajuda de demónios. São estas algumas das opções que The Executioner nos mete à frente, podia ter tentado salvar algum deles mas acabei por provar que o demónio estava em mim que me levou à insanidade.

Ser um demónio é algo que nos é permitido, mas nunca sem ter os nossos próprios demónios que nos fazem reviver os nossos actos de noite, escolhendo um pesadelo para reviver e lentamente deteriorando a nossa mente e corpo, tal como nós fazemos às nossas vítimas na sala de interrogatório. Há sempre consequências para as nossas escolhas, alguém que sofre com elas. E nós também. Sempre, até porque muitas vezes depois de várias torturas não conseguimos o resultado desejado deixando-nos a pensar se valeu mesmo a pena todo o sofrimento que infligimos. Este jogo baseado em texto, muito texto mesmo, faz-nos algumas perguntas, tal como nós fazemos aos prisioneiros. Não nos enfia metal debaixo das unhas, nem nos tenta afogar ou espanca para conseguir as respostas, nem nos tira o sono. Pelo menos não voluntariamente. Mas faz-nos pensar na natureza humana, e na nossa capacidade de infligir dor nos outros por várias razões, e o peso que isso tem nos ombros daqueles que o fazem. “Estava a seguir ordens!” não é justificação para uma defesa para maus actos, se tanto dá razão à máxima que para existir o mal, basta que bons homens não façam nada.

The Executioner, não é perfeito, está longe disso mas é muito bom naquilo que se propõe fazer, ao dar-nos uma aventura interessante com uma perspectiva diferente.

Numa nota de curiosidade, a guilhotina como a conhecemos foi criada por um francês Antoine Louis que construiu a estrutura e um alemão Tobias Schmidt que lhe aplicou a lâmina oblíqua. A última pessoa a ser executada nesta máquina foi Hamida Djandoubi a 10 de Setembro de 1977 em França, alguns anos antes da pena de morte ser abolida sendo o último condenado a ser executado no velho continente.