Desde que foi anunciado em 2019 e até ao seu lançamento, Deathloop mostrou-se em alguns trailers e vídeos, mas a Arkane nunca conseguiu passar muito bem a mensagem do que se trataria este jogo. E mesmo depois de o instalar é necessário algumas horas para compreender o conceito de loop que parece estar na moda, como o recente 12 Minutes. Mas o loop deste título é igualmente semelhante às propostas presentes em roguelikes: morre-se, começa-se tudo de novo e sem as armas e itens que recolhemos. Mas estas regras são rapidamente alteradas mais à frente. Já lá vamos.  

À primeira vista, olhando vídeos de gameplay, não seria difícil apontar Deathloop como mais um FPS, com o aspeto de assinatura que a Arkane Studios nos tem habituado: ação sólida, possibilidade de abordagens furtivas e habilidades paranormais que conferem 1001 formas de ultrapassar inimigos, obstáculos e puzzles. E esses elementos estão, mais uma vez, excelentemente bem introduzidos neste novo jogo. 

O que se passa é que o protagonista, Colt Vahn, encontra-se trancado na ilha de Blackreef, onde estão a ser conduzidas experiências científicas, num loop infinito. A ilha foi inspirada nas Faroe Islands e também no cenário do filme The Thing de John Carpenter.   

O objetivo de Colt é quebrar esse loop, mas do outro lado da barricada está Julianna, uma impiedosa assassina que protege esse loop. As regras do jogo vão sendo despejadas no início da aventura, e acreditem são complicadas de digerir. É preciso percorrer os primeiros cenários para começarmos a absorver o mistério e o que está a acontecer a Colt: acorda numa praia, sem memória, mas apesar dos ciclos constantes, retém a memória de tudo o que lhe aconteceu.

Este é o ponto que distingue um jogo com time loop de um roguelike, a capacidade da personagem reter a informação e aprender com ela. Se uma porta está fechada e a personagem descobre mais à frente um código, nos loops seguintes vai lembrar-se dele e não necessita de o procurar mais. A personagem assume os eventos da mesma forma que o jogador, um conceito essencial neste género de jogos, como já nos tinha explicado Luís António, o autor de 12 Minutes. 

Mas nada disto impede que o jogo seja estupidamente confuso inicialmente, com diversas caixas de texto a serem desnecessariamente bombardeadas ao jogador. Isto para compreendermos que todo o jogo se passa na ilha, em quatro cenários diferentes, cada um com um período do dia, manhã, tarde, noite, por exemplo. E a personagem deve escolher qual dos quatro lugares quer visitar no período do dia, passando depois para o próximo, até completar as 24 horas, ou seja, o ciclo completo onde tudo, ou quase tudo volta ao zero. 

A personagem descobre ainda que para quebrar o ciclo é necessário matar quatro “Visionaries”, uma espécie de bosses com habilidades únicas, que são a chave do mistério. Jullianna é um desses visionários. Mas há uma particularidade, os quatro necessitam ser mortos num único ciclo diário, ou seja, todos no mesmo dia, o que torna a tarefa do protagonista bastante complicada. 

Nesse sentido, todo o loop se concentra em algumas tarefas importantes: descobrir o paradeiro das personagens, pois uma aparece num determinado sítio, mas a uma certa hora. Descobrir pistas, formas de abrir portas, encontrar códigos e resolver puzzles para que no fim se façam contas de onde está e como aceder a cada um dos alvos. 

Há que considerar que o protagonista pode morrer duas vezes apenas em cada cenário, à terceira morre definitivamente e perdem essa porção do ciclo, assim como tudo o que recolherem. Ficam apenas as memórias das pistas que entretanto descobrirem. E acreditem que a tarefa não é simples quando têm Jullianna a invadir a partida para nos matar. 

Este ponto abre alas ao formato multijogador, que para mim serve de bónus supérfluo. Podem abrir o jogo a amigos ou outros jogadores aleatórios possam invadir a partida na pele da assassina, que acaba por se revelar obviamente mais poderosa que a sua contraparte controlada pela inteligência artificial. Este elemento deve ter sido inspirado em Dark Souls, na possibilidade de invadirmos as partidas de outros jogadores. Na minha experiência, raramente consegui encontrar partidas para invadir, talvez porque os jogadores tenham igualmente encontrado zero utilidade para este formato. O jogo promete bónus e itens especiais no controlo de Jullianna. 

Diga-se de passagem que um dos melhores aspetos do jogo é o voice acting das personagens. Há uma química excelente entre as duas personagens, mesmo que estes sejam inimigos. As bocas e comentários entre as duas são hilariantes, sublinhando o ambiente de espiões dos anos 1960. Aliás, o jogo mantém esse aspeto retro-futurístico que a Arkane já nos habituou na série Dishonored.  

Além das memórias, com o tempo, Colt aprende que pode manter as suas armas e habilidades, através de uma matéria chamada Residuum que está contida em alguns objetos ou nos inimigos especiais. Sempre que morre, a personagem tem de encontrar o seu corpo e recuperar o Residuum, num piscar de olhos aos jogos Soulslike. Entre os níveis, no menu, é possível fazer infusion nas armas, gastando esta matéria. As armas e respetivos upgrades e trinkets, que concedem melhorias à personagem que tenham recebido um infusion ficam disponíveis nos loops seguintes. Ou seja, podem começar o loop armados até aos dentes. 

E o mesmo para as habilidades paranormais, aqui chamadas de Slabs, que são largadas pelos Visionaries, devem receber infusion para manterem. São cinco habilidades, entre elas a possibilidade de teletransporte, invisibilidade ou ligar a mente dos inimigos, onde todos sofrem danos. 

O jogo oferece diferentes raridades das armas e trinkets, e quantas mais vezes recolherem os slabs dos bosses, mais estes ficam poderosos. Isto quer dizer que vão ter algum grind pela frente para que a personagem, no final da investigação, seja poderosa suficiente para ultrapassar todos os inimigos numa assentada para quebrar o ciclo. 

De notar que as armas são poderosas, dão um grande punch e uma excelente sensação de disparo. Como FPS nada a dizer. O problema é que os inimigos são medíocres. São literalmente dummies, com máscaras, com uma inteligência artificial ridícula, provavelmente do pior que vi nos últimos anos. Por que razão planear uma abordagem furtiva, sem fazer barulho e evitar os confrontos, se eles são simplesmente estúpidos, tanto a reagirem ao barulho em redor, como praticamente não nos enxergar quase em cima deles. 

Mesmo os Visionaries deixam muito a desejar nos seus confrontos. Apenas Jullianna consegue ser perigosa, e ainda assim nada de especial. Mais perigosas são os sensores, as armas estacionárias automáticas ou minas espalhadas pelo terreno, que nos fazem bastante dano. Os inimigos, tirando algumas situações, são pura carne para canhão. 

Os problemas com o jogo não acabam aqui. O sistema de investigação é confuso, repleto de informações, e mesmo que o jogo assinale as pistas que devemos seguir num determinado local ou altura do dia, sentimos que por vezes uma run não fez avançar muito o progresso. Deveria haver uma forma de sugestão dos objetivos seguintes para ajudar o jogador a decidir e poupar algum tempo.

É que o jogo torna-se estupidamente repetitivo passado algumas horas, mesmo que saibamos que estamos num loop, são muitos os cenários em que respiramos a fundo por saber onde está cada inimigo, boss ou porta, mas que temos de percorrer tudo de novo. Claro que as armas poderosas e habilidades tornam a navegação bem mais rápida nas vezes seguintes, como qualquer bom roguelike. Mas ainda assim, não contava que a experiência fosse tão repetitiva. 

Deathloop claramente não é para todos. Está longe da excelência dos títulos anteriores do estúdio francês responsável por Dishonored. Graficamente é muito bonito, a jogabilidade é excelente, as armas e habilidades são divertidas e os diálogos repletos de química. Mas a repetição constante, a inteligência dos inimigos, a confusão dos objetivos e o formato multijogador medíocre e desnecessário, impedem-no de loops mais longos.