Não há literatura de cordel do final do séc. XIX, pulp fiction ou mesmo penny dreadfuls, como lhes chamam, em que aristocratas não teimem em envolver-se com o que não devem, e invariavelmente acabem a soltar no nosso planeta alguma ameaça sobrenatural. Não sei se é por falta do que fazer com o tempo livre, se foi a necessidade de inscreverem o seu nome na História – e os casos reais de expedicionistas desse período demonstram isso mesmo – que qualquer grande ameaça vitoriana à Humanidade começa com um nobre (preferencialmente britânico), a fazer experiências e invocações sem conhecer os reais perigos dessas acções. Um exemplo claro disso mesmo é o aprisionamento de Oneiros, na magnum opus de Neil Gaiman, pela mão de Roderick Burgess, e as consequências nefastas que trouxe para os Humanos.
É precisamente nesta senda de nobres-que-remexem-com-o-desconhecido que surge o magnífico Madshot, um roguelite shooter bidimensional circunscrito a pequenos níveis enclausurados como diminutas arenas.
O nosso Malcolm Murray privado decide travar uma luta contra a morte, e isso coloca-o em rota de colisão contra os deuses primordiais, e, de máscara de Cthulhu no rosto (quase que a antever um confronto final em que apenas uma face de lula pode subsistir).
Cada nível do nosso percurso é encarcerado numa arena similar às de Super Smash Bros., com a diferença de que o nosso objectivo aqui não é andar a projectar de forma semi-amigável os nossos amigos e adversários ecrã fora, mas sim o de derrotar uma série pré-definida de inimigos para que com o seu sangue consigamos abrir um portal para o próximo encontro.
Atravessar esse portal levar-nos-á para a tradicional ramificação de caminhos de cada playthrough que os roguelites costumam criar. Conseguimos obter informações limitadas antes de escolhermos qual o próximo encontro que teremos, e invariavelmente optaremos por aquele cuja recompensa por finalizar o nível melhor nos interessar.
Um ponto interessante desta ramificação aleatorizada dos encontros é que cada um destes “níveis” tem as suas próprias regras que nos dão bonificações sob determinada regra, o que nos obriga a mudar e adaptar a abordagem ao combate em cada nível. Sejam bonificações por alvejarmos inimigos enquanto saltamos, ou por correntes de ataques, cada encontro e as regras associadas obrigam-nos a alterar a forma como atacamos os inimigos de Madshot.
Estas bonificações acompanham-nas na nossa run (e desaparecem com cada morte), que sejam alterações a encontros que nos aumentam o dano se ficarmos quietos, outros que aumentam o nosso dano baseado no número de níveis passados sem levar dano, entre outras ideias (e são muitas) que alteram o sabor do desafio, de nível para nível. Upgrades permanentes conseguimos apenas entre runs, e dependem sobretudo da quantidade de recursos que obtivemos antes de morrermos.
Madshot ainda está em Early Access mas traz-nos uma interessante e original forma de olhar para os roguelites, com as lentes de um shooter platformer. Um jogo altamente desafiante que possui já uma grande profundidade de conteúdo e onde a mudança sistemática de cada nível que enfrentamos é uma mudança suficiente para impedir Madshot de cair rapidamente na monotonia, como tantos outros roguelites caem.