A Rocksteady deixou um legado de jogos em torno de Batman difícil de preencher. A trilogia Arkham ainda é considerada a melhor série de super-heróis, elevando os padrões do género que poucos conseguir aproximar-se. E nem os estúdios internos da Warner Bros. conseguiram gerir esse mesmo sucesso. Batman Origins esteve longe da qualidade dos jogos originais, e enquanto se espera pela nova proposta da Rocksteady, a adaptação da sensação do momento, Suicide Squad, os estúdios da Warner Montreal apresentam-nos Gotham Knights.

O jogo foca-se nos quatro discípulos de Batman, que neste jogo está morto. Sim, sem spoilers, faz parte da sinopse. Batman e Ra’s al Ghul travam uma batalha logo na introdução do jogo, obrigando o cavaleiro das trevas a ativar os sistemas de segurança da Batcave, sacrificando-se, mais uma vez, para proteger Gotham. A cidade fica agora por conta de Robin, Nightwing, Red Hood e Batgirl, treinados a rigor por Bruce Wayne, e agora sobre a mentoria de Alfred para combater o crime. 

O jogo bebe muitas inspirações diretas em Arkham City. Em primeiro lugar porque nos oferece Gotham totalmente aberta para explorar. E a cidade é um dos pontos altos desta aventura repleta de ação. O tom negro do ambiente, uma vez que assumimos o papel dos vigilantes durante as vigílias noturnas, os monumentos e pontos de interesse, a arquitetura dos diferentes locais convida a explorar e a observar em redor. Não se trata de uma cidade verdadeiramente rica em movimento e vida, talvez por se passar basicamente à noite, mas ainda assim é possível ver os habitantes nas suas rotinas, embora de forma básica. 

Sem surpresa, estamos perante um jogo que se divide entre as missões principais de história e dezenas de tarefas secundárias para encher chouriço. Como vigilantes, há muitos crimes a decorrer que têm de ser impedidos, desde assaltos, raptos e outros. Há diversos desafios de treino, de parkour e claro, muitos colecionáveis, tais como encontrar batrangs do Barman ou fazer scan a gravuras e outros elementos secretos. Há muito para fazer, até porque a estrutura de missões, por si, parece-me curta para um jogo de mundo aberto. 

Ainda sobre a narrativa, o principal perigo é o Court of Owls, uma sociedade secreta que está enraizada na sociedade de Gotham. Mas paralelamente, alguns dos vilões clássicos de Batman estão de regresso, incluindo Pinguin, Talia al Ghul, Mr. Freeze ou Clayface. Todos eles têm a sua linha de missões, com direito a excelentes embates com bosses finais. 

O jogo é assumido como um RPG e se há algo decepcionante é que as quatro personagens controláveis não interagem entre si. Ou seja, em primeiro lugar o jogo está limitado a dois jogadores nas missões cooperativas, embora a Warner já tenha revelado uma atualização para breve para quatro jogadores. Mas quando refiro que não interagem é mesmo no gameplay. O jogo será sempre uma experiência solitária, como os jogos de Batman anteriores e basicamente não existem missões específicas para cada personagem. Cada um assume o lugar da outra na história, limitando-se a adaptar os diálogos consoante cada está sob controlo. 

E ainda assim existem incoerências, uma vez que na base é possível trocar quando quiserem e alguns diálogos assumidos por uma personagem diferente assumem como se fosse esta a completar. São detalhes, mas num jogo altamente narrativo, é uma pena que não tenha havido ambição para tapar todos os plot holes

É na torre sineira, um dos quartéis-generais da família Batman, que os heróis vivem e interagem. Existem ícones específicos para cada personagem, na sua pequena narrativa individual. São apenas cut scenes, a maioria efémeras, mas que tentam dar mais profundidade às personagens. As missões são tratadas como casos e ainda existem algumas mecânicas de detetive, mas algo muito superficial, que basicamente é ligar provas numa lógica. Podem simplesmente fazer tentativa e erro para acertar, sem qualquer desafio. Arkham City tinha bem mais elementos de detetive e os puzzles deste novo jogo são bastante simplistas. 

As quatro personagens também ganham destaque por terem uma abordagem diferente ao combate. Como referi, o jogo tem elementos de RPG, com pontos acumulados para subir níveis de experiência e desbloquear novas habilidades nas árvores de atributos. E cada personagem tem um estilo diferente. Por exemplo, Red Hood é um tank, o mais forte de todos, mas o mais clunky de jogar, fazendo-se valer pelas suas poderosas pistolas. Robin é para quem gosta de uma abordagem mais furtiva, com diversas habilidades que facilitam esta abordagem. Nightwing é bem mais acrobático. Podem experimentar cada uma das personagens para perceberem qual a que gostam mais de jogar. E não se preocupem de fazerem a campanha praticamente com uma personagem, todas sobrem igualmente de nível, pelo que quando trocam só precisam de a atualizar. 

O jogo também oferece um sistema básico de crafting e atualização de armaduras e armas, permitindo tornar a personagem mais poderosa ao longo da aventura. Existem diversas matérias-primas que vão recolhendo na cidade, mas sinceramente tudo isso passa ao lado. Só têm de visitar o crafting de vez em quando e perceber se dá para construir algo melhor que têm ou mesmo se apanharam alguma peça melhor. Não precisam se preocupar com este ponto. E até existem algumas variações de elementos, tais como armas com incidência para o fogo, eletricidade ou gelo, por exemplo. Já os mods para inserir nas slots do equipamento aumentam as habilidades, mas é igualmente um sistema paralelo, neste caso até confuso. 

Algo que me faz confusão é que nenhuma personagem consegue planar durante os saltos entre os edifícios da cidade. O jogo é muito vertical sim, mas totalmente dependente do grapling hook. Funciona muito bem, mas tal como em Batman, sentimos a falta da sua capa planadora que estas personagens também poderiam perfeitamente utilizar. Para deslocações de grande distância todos utilizam a mesma mota, que é divertida e até existem provas de corridas para a mesma. E o sistema de fast travel, que dá muito jeito, requer completar desafios de scan a drones. 

De notar que a versão testada, a PS5, o jogo está trancado a 30 fps. É uma opção do estúdio em manter a coerência gráfica, sobretudo no multijogador. E é algo que poderá fazer impressão a muita gente. Mas joga-se muito bem, sem paragens e raramente vão sentir que a imagem se arrasta. Ainda assim, há que salientar que uma geração de consolas que nos são vendidas como tendo capacidade de suportar até 120 fps, é estranho que este jogo next gen tenha esta limitação. Mas não se preocupem, o jogo funciona muito bem.

Gotham Knights é um jogo bastante divertido, repleto de ação, com um sistema de combate que herda muito do sistema free flow da série Batman. É uma fórmula vencedora que já foi adaptada a inúmeros jogos e que continua a premiar o timing, como um bailado entre os inimigos, atacando ao mesmo tempo que se esquiva de tiros, bastões e outras habilidades dos inimigos. Não esperem uma IA apurada, pelo contrário, as abordagens furtivas roçam o ridículo por não nos detectarem mesmo ao lado. Não se trata de um jogo difícil ou mesmo desafiante. Mas herda bem os elementos canónicos que a Rocksteady estabeleceu e puxa a história para a frente. Por isso, para quem gostou dos jogos anteriores, este não vai desiludir no geral.