Caçada Semanal #201

Muitas vezes dou por mim a perceber que só contacto com algumas coisas em contra-ciclo, seja propositadamente (como o Harry Potter, que li tudo com sofreguidão, 1 ano após o lançamento do último livro e da consequente febre ter desvanecido) ou os jogos de cartas físicos, tendo coleccionado cartas de Magic e de Digimon no final da década de 1990 apenas pelas ilustrações. O meu verdadeiro mergulho no prazer de jogar com cartas (para além da paixão inflamada há 5 meses quando contactei com Yu-Gi-Oh, fisicamente, pela primeira vez) deu-se em 2009 com o “pai” dos deck-builders, Dominion, de Donald X. Vaccarino. Seria com este que a minha sede de jogar jogos diferentes com mecânicas distintas de cartas teria início.

Depois de algumas dezenas de jogos de tabuleiro com cartas adquiridos nos últimos anos, não seria de esperar que com o sucesso de Hearthstone (e de tantos outros títulos a tentarem fazer-lhe frente, como o próprio Magic the Gathering), não demorou muito a que alguns videojogos viessem a experimentar mecânicas de utilização de cartas no seu game design.

(Com NDA e embargo pela frente, e sem poder ainda dizer qual, admito que estou ansioso para revelar-vos na próxima semana qual o jogo que inclui cartas que me tem mantido colado nos tempos vagos)

Deck of Ashes

Deck of Ashes é uma das notas mais distintas desta nouvelle vague criativa de experimentação e inclusão de cartas no game design de jogos indie. Um RPG com um ambiente negro, cujas ilustrações e personagens poderiam facilmente ser de um spinoff de Darkest Dungeon.

O facto da equipa da AYGames ter aproveitado desenvolvido uma aventura fortemente narrativa onde as cartas não são apenas uma desculpa, mas uma inclusão mecânica fluída faz aqui toda a diferença. Há elementos roguelike na exploração, assim como na própria aventura, cujos caminhos, sempre diferentes, vão-se abrindo a partir das nossas escolhas.

A incorporação do baralho em Deck of Ashes é dos mais estratégicos que já vi em qualquer jogo. Aqui, cada escolha de carta importa, já que ao ficarmos sem cartas temos de sacrificar a nossa vida para poder baralhá-las novamente.

Outro aspecto importante que nos obriga a pensar muito bem nas cartas jogados é o facto de que elas são “usadas”, ou seja, temos, entre batalhas, de gastar recursos para que elas “refresquem” e as possamos usar novamente no baralho. A gestão dos nossos parcos recursos (que servem não só para fazer crafting, para refrescar, como para curar os nossos personagens) faz deste deck-builder um dos mais estratégicos de qualquer outro que jogámos.

Com um Early Access previsto para poucos meses, Deck of Ashes já está disponível por 12,49€ no Steam e com a sua solidez é um dos jogos obrigatórios desta nova tendência de videojogos deck-builders.

Mythgard

Se Deck of Ashes surge num género relativamente novo, Mythgard, que estará disponível em breve num modelo free to play, é um collectible card game que quer apelar ao público através do setting, e não através do aproveitamento de novas tendências de game design.

Imaginem o livro (e a série) de American Gods, onde diversos deuses de mitologias diferentes se encontram na Terra e coexistem com a Humanidade. Com um enredo do qual pouco podemos discorrer porque apenas um prólogo está ainda disponível para experimentação, Mythgard é um déja vu nos jogos de cartas ainda que traga diferenças para a mesa. Literalmente.

A maior delas é que mantém a estrutura de combate por “corredor” como muitos congéneres, onde cada carta pode apenas atacar aquela que se encontra à sua frente, mas cria um sistema que os seus autores apelidam de tridente, onde cada criatura pode atacar não só o adversário directamente à sua frente, como os dois adjacentes a ele.

A minha grande dúvida sobre o seu potencial sucesso prende-se não só com o modelo de micro-transacções e o que esses sistema muitas vez traduz em termos de justiça entre jogadores, e também porque muitas outras franquias mais poderosas do que o desconhecido Mythgard tentaram criar jogos de sucesso, e nem as maiores empresas conseguiram segurar os seus jogadores por tempo suficiente.

Veremos, aquando do seu lançamento para todo o público, se Mythgard conseguirá chamar a atenção para manter uma comunidade interessada e investida. Mas num mercado tão específico como os card games digitais temo que a resposta já tenha sido dada a priori.