Por mais de uma vez imaginei Jesus Cristo e também Deus como super-heróis na minha infância. Até desenhei o filho de Deus a voar enquanto uma capa esvoaçava atrás de si, durante uma aula de catequese, motivando umas sobrancelhas arqueadas da minha catequista. Em Ultra Goodness 2, Deus não voa nem tem uma capa, mas está SEMPRE zangado e com vontade de exterminar demónios.

Rasul Mono, criador deste twin stick shooter com toques de roguelite, faz questão de dar o mote de como abordar a sua obra no seu site:

A essência de UltraGoodness 2 é diversão – portanto desliguem o vosso cérebro e derramem o sangue através dos níveis


Dito e feito. Carreguei no suspender da massa cinzenta e no power on da PlayStation 5, versão que recebemos no Rubber, e lancei-me nessa cruzada cristã contra as forças do mal. Deixei a semiótica fluir naturalmente – em lado nenhum me é indicado que o pequeno boneco zangado é o Deus da fé Cristã, mas a túnica branca, hirsuta barba e comprido cabelo arruivado não me deixam margem para dúvidas. Até podia ser Jesus, não fosse a coroa e todo o Novo Testamento descreverem este como pacifista, portanto sobra-nos a descrição mais antagonística do Deus do Antigo Testamento, que por vezes faz a vingança chover sobre os demais.

Rapidamente somos lançados no meio da acção: Deus está na sua confortável poltrona a ver televisão, acompanhado de um sonolento gato, quando vê algo (presumo que demónios) que o incita à fúria divina sobre os maus. Através de mapas anormalmente extensos para este género ao longo de 30 níveis, Deus e o seu gato andam aos tiros aos demónios. Além do rapid fire dispomos de bombas e mísseis de longo alcance, que após usados demoram uns segundos a recarregar. À medida que destruímos inimigos, colecionamos rupias que podem ser usadas para comprar novos gatos, cada um com diferente armamento.


Ora, a maneira como eu costumo abordar estes jogos é ir aos berros para o meio da violência. Em UltraGoodness 2 isso rapidamente me levou à morte, o que me deixou quase tão zangado como o personagem que controlava. Acabei por atrair dois ou três de cada vez, dar-lhes o arroz enquanto me afastava (estilo Tony Montana no sentido contrário), para repetir a fórmula vezes sem conta.

Quando andei na Catequese, aprendi que Deus era omnisciente, omnipresente e omnipotente. Em Ultra Goodness 2, omnipotência não senti. Manipulação do tempo já é outra conversa e a única mecânica realmente inovadora neste jogo, dentro do género, que conheço: enquanto estamos imóveis e/ou sem disparar, o tempo pára quase totalmente, de forma a podermos navegar mais facilmente através do caos. Quase sempre que saí deste estado, perdi uma vida. E pela altura que comecei a dominar a mecânica – algures a 1h de jogo – já o jogo me desencorajava a progressão.


Ultra Goodness 2 é a platina mais fácil que alguma vez vão conseguir na PS5 (ou qualquer outra plataforma já que, pese existir desde 2019, desde 2021 que está em todas), com troféus a premiar apenas os oito primeiros níveis e alguns combos que se completam antes disso. Não que os troféus sejam a base do jogo, mas quando antes do primeiro boss somos avisados que chegámos à platina, tudo o que se lhe segue antevê-se anticlimático.

Com um visual mais cartoon a suceder ao pixel art do primeiro título – a decisão parece-me sensata para apelar a um público de consolas e não apenas de PC -, Ultra Goodness 2 tem uma curva de aprendizagem demasiado longa para a longevidade total do seu conteúdo. Dificilmente leva o rótulo de jogo mau, mas fora a mecânica de paragem temporal – que não é obrigatória à jogabilidade – há aqui pouco de diferenciador face a outras opções do género dentro do orçamento de 4,99€ em que actualmente se encontra.

Mas se depois de um dia de cão no trabalho quiserem dar um chapadão divino ao vosso chefe-feito-demónio, à moda do Antigo Testamento e com o cérebro desligado, como o developer recomenda, Ultra Goodness 2 pode ser para vocês.