Caçada semanal #274

Estávamos em 2015 e eu visitava Londres pela primeira vez. Por entre umas agradáveis passadas pela Millenium Bridge, o meu indicador esquerdo destacava o Shakespeare’s Globe, à esquerda, no South Bank, para a minha namorada que ia a olhar para outra coisa.

E foi então que um britânico passou por nós e, do nada, gritou: “BANG!“.

Percebi. Não importava se estava a venerar uma lembrança do dramaturgo mais célebre da história, apontar é pecado. Os dois jogos desta semana são aventuras point and click, por entre as tantas que o mercado nos oferece hoje em dia, mas só uma é pecado, pese ambas com poucos valores de produção.

SUMATRA – FATE OF YANDI (PC, PS4/5, XBOX X/S/ONE)


Eis uma aventura que sei que vai deixar um sorriso aos mais acérrimos fãs do Rubber. Com grandes inspirações mecânicas e visuais aos point and clicks da Sierra ou LucasArts mas com um enredo brutalmente actual, Sumatra – Fate of Yandi não parece muito para começar. Onde estaria o sorriso? Os criadores afirmam-se acérrimos fãs de The Secret of Monkey Island (se não estão a acompanhar o lore, cliquem aqui).

Sumatra – Fate of Yandi é a história de um indonésio – Yandi – que trabalha para um madeireiro malcriado e a quem um acidente leva para a profunda selva de Sumatra, onde para escapar deve ajudar membros de uma tribo local e desvendar um mistério sobre os interesses industriais que afetam aquela região. Este point and click pareceu-me parvo a começar, mas rapidamente me agarrou na forma como aborda a temática da desflorestação e as suas consequências para populações, fauna autóctone e a dinâmica inteira de uma região.

Não vale a pena alongar-me sobre grande parte das suas mecânicas, tão inspirado que é nos jogos do género dos anos 1990 na sua execução e aspecto. Pese Yandi andar perdido na selva, senti-me especialmente cativado em explorar esta pelos seus vários recantos. A criação da Cloak and Dagger Games leva-nos através de três actos: o primeiro enquanto tentamos sobreviver na selva, o segundo quando encontramos uma tribo local, desconfiada pelo facto de o nosso trabalho ser destruir a sua selva pelo que devemos ganhar a confiança de várias pessoas e o terceiro quando desvendamos um sinistro mistério sobre este local.

Sai da frente, Richard Parker.

Desde combinar vários itens que encontramos para criar ferramentas novas – qual survival game – a colecionar várias pistas que, pouco a pouco, compõem a trama da conspiração onde nos encontramos, Sumatra – Fate of Yandi só peca por uns menus preguiçosamente desenhados e que por vezes estorvam na navegação entre mapas. Felizmente, foram raros momentos frustrantes que interferiram na fruição da surpreendente riqueza visual deste pixel art, que tão pouco convidativo parecia, mas se tornou bastante eficaz em me envolver neste mundo de Yandi.

Para um jogo de um estúdio britânico, houve uma preocupação em fazer os personagens não soar demasiado anglófonos, ainda assim sem os caricaturar com estereótipos do sudeste asiático. Essa autenticidade cola com tudo o resto em Sumatra – Fate of Yandi, que qualquer fã de aventuras point and click saberá apreciar.

TRAILS AND TRACES – THE TOMB OF THOMAS TEW (PC, PS4/5, XBOX X/S/ONE)


E depois temos Trails and Traces: The Tomb Of Thomas Tew, que temo que só apele aos mais acérrimos fãs de point and clicks.

O segundo jogo do catálogo da Because Because Games é praticamente um one man show de Matt Barker, que começa com uma ideia promissora. Um detective privado inglês que começa por ajudar um sem abrigo a sair de um telhado, aceita um trabalho para encontrar um arqueólogo desparecido e acaba na América a desvendar um segredo sobre o tesouro de um pirata de outros tempos.

Só que este jogo pretende fazer comédia com isto: passei tanto tempo (isto é relativo, que o jogo faz-se numas três horas) a falar com bêbedos britânicos até tropeçar em mistério que me senti num episódio do Imperiais e Batata Frita (Two Pints of Lager and a Packet of Crisps no original), mas sem as gargalhadas. Na direção artística também fiquei com a sensação de que este point and click nem era pixel art, nem estilizado manualmente, mas que de certeza não saiu apelativo. E numa decisão deveras invulgar num jogo com tão poucos valores de produção, a grande maioria das falas é vocalizada – o que é de louvar. Só que o criador cobre mais de metade do elenco, com uns sotaques estranhos e pouco talento para a coisa, com mais um par de actores a darem voz a personagens mais centrais. O resultado? Algumas escolhas interessantes em puzzles e pistas que devemos desvendar são constantemente regadas pelo desconforto visual e auditivo, pelo que confesso não terem sido três horas muito agradáveis.

Entra-se nesta sequência com a melhor piada do jogo (os rolos) e sai-se com a melhor mecânica (um megafone para gritar às pessoas).

Não consigo imaginar muito bem onde é que o criador deveria ter tomado escolhas diferentes para fazer de Trails and Traces: The Tomb Of Thomas Yew um jogo porreiro, tão imiscuído em elementos bizarros que está. Certo é que cada vez mais me apercebo que quanto mais desenvoltos os criadores indie são com valores de produção mais simples, melhor o trabalho sai. Olhar para os dois jogos desta caçada só me reforça esta ideia.