Ainda há poucos meses escrevi sobre a forma com o Lies of P – provavelmente graças ao seu worldbuilding – me fez abraçar definitivamente o género, e aceitar a frustração. Infelizmente, tanto pelas circunstância da minha vida pessoal, como pelo lançamento do DLC Overture, acabei por deixá-lo em pausa por algum tempo, e mergulhar no capítulo que lhe serve de prequela, com a certeza que este desvio ao passado só me irá deixar com ainda mais fome para a história e o mundo que Lies of P me tem para contar.

Lies of P: como eu deixei de me preocupar e passei a amar a frustração 

Rapidamente percebi que Lies of P: Overture é mais do que um simples prelúdio narrativo ao aclamado Lies of P, ele funciona também como um mergulho atmosférico e melancólico que aprofunda as raízes do universo sombrio de Krat e do destino trágico de suas personagens. Apresentado sob a forma de uma experiência breve mas densa, Overture funciona como uma peça musical de abertura que prepara o nosso espírito para a brutalidade poética da narrativa principal, ao mesmo tempo que oferece pistas sobre os temas centrais da obra: identidade, mentira, humanidade e controle (ou a falta dele).

Sinto que ao contrário do jogo base, aqui somos menos agentes do caos e mais espectadores semi-participantes de um mundo em queda livre, onde a beleza decadente da cidade esconde o horror por detrás da cortina de civilização. É uma peça de câmara dentro de uma ópera gótica, mais silêncio e contemplação do que sangue, mais sugestão do que exposição.

A história foca-se nos primeiros ecos da tragédia que assolaria Krat, dando-nos vislumbres do funcionamento interno da cidade e dos dilemas que anteciparam a sua derrocada. O mundo ainda não caiu, mas a sua queda está para breve. As marionetas ainda obedecem, mas algo vibra nas cordas que as controlam. Neste espaço liminar, a mentira começa a germinar, e o próprio conceito de verdade revela-se fluido — ou talvez, como o próprio jogo propõe, uma construção frágil sustentada pela vontade colectiva de acreditar em algo.

O que torna Overture tão cativante não é tanto a revelação de eventos concretos, mas sim o modo como constrói a ambiência emocional do universo de Lies of P, mas onde a influência de Carlo Collodi ainda paira no ar, aqui transformada num simbolismo sombrio e abstracto, onde a fábula infantil se distorce em alegoria sobre manipulação, desejo de liberdade e os limites da vontade humana. Overture é, dessa forma, sobre a origem do impulso para mentir — a necessidade de protecção, de consolo, de resistência contra o inevitável.

A direcção artística mantém a elegância sombria que definiu o jogo principal, mas com um contraste notório: muitas das estruturas abandonadas e desactivadas que conhecemos antes ainda aqui estão em funcionamento, e muitas das marionetas apresentam menor desgaste físico, com as suas cores e pinturas praticamente intactas, e percebemos também a aplicação e funcionalidade prática de muitos dos autómatos que conhecemos no jogo base.

Lies of P: Overture é um suspiro antes da queda, um sussurro antes do grito. Não se destina apenas a satisfazer a fome de acção, mas a criar um contexto para o mundo que conhecemos  e aprendemos a amar.