Houve uma época em que a Capcom era rainha incontestada dos 2D fighting games. Altamente alicerçada numa cultura de máquinas de arcada, os jogos da gigante nipónica ajudaram a definir o que é o género, e em termos estéticos a sua visão “ilustrada” dos seus jogos era exactamente aquilo que o público pedia, distinguindo-se visual e mecanicamente do outro grande sucesso comercial que era Mortal Kombat.

As sequelas dessa influências sentem-se até aos dias de hoje, em especial em companhias como a Arc System Software que funcionam como herdeiros silenciosos das tradições fundadas pela Capcom, tanto a nível mecânico como estético.

Marvel vs. Capcom começou, justamente, com os dois grandes títulos das duas companhias nos anos 1990, respectivamente X-Men e Street Fighter, que se digladiaram num crossover lançado em 1996, do qual eu tive contacto já na PlayStation em 1999.

O que havia para não gostar? Personagens fan favorite de ambos os lados da barricada a confrontarem-se ao velho estilo da Capcom, com ataques over-the-top e mecânicas e combos altamente arcade, e personagens brilhantemente ilustradas e animadas como só os artistas da Capcom daquela década sabiam fazer.

Não tenho informações se muitos dos artistas desta era migraram para empresas como a Arc System Works, ou se são simplesmente os seus artistas altamente influenciados pelo trabalho da Capcom, mas com o avançar dos anos e com a preponderância do 3D parece-me que houve algo que se perdeu.

Saltamos 21 anos e olhamos para o mais recente título da série, Marvel vs. Capcom: Infinite, lançado há dias para Xbox One, PS4 e PC e pensamos em tudo o que se perdeu pelo caminho.

Se mecanicamente o jogo continua divertido, mas em comparação a perder com concorrentes directos mais indie como Guilty Gear e Blazblue, é na arte, esse grande bastião que a série e empresa sempre defenderam que a maior perda acontece.

Numa época em que a tecnologia e os meios de produção permitem maravilhas da animação que se equiparam ao cinema (vide Cuphead), a Capcom decide ir num sentido oposto e produzir uma das suas jóias da coroa em termos estéticos com a mais aberrante e inócua expressão tridimensional possível.

No lugar de excelentes interpretações visuais de personagens conhecidos da Marvel e da Capcom ficaram neste Marvel vs. Capcom: Infinite uns modelos quase placeholder, inexpressivos, e longe da criatividade artística que engrandeceu a companhia por duas décadas, e que teve no genial Tatsunoko versus Capcom o seu canto do cisne artístico.

A somar a isto, a inclusão de um modo de história que preferivelmente nem deveria existir. Apesar de estar constantemente a tocar na mesma tecla, mas para um fighting game fazer um modo de campanha/história em 2017 e nem sequer chegar perto de Injustice 2 é preferível nem fazer e manter-se num sistema de arcada de escalada de níveis de dificuldade. O enredo aqui trazido é tão desinspirado quanto as opções visuais para os personagens.

Marvel vs. Capcom: Infinite é mecanicamente divertido mas está demasiados furos abaixo do patamar onde já esteve. Não fosse o elenco de luxo que ajuda por si só a vender cópias, e existem muito mais razões para comprar os muitos e bons fighting games nipónicos que preenchem o mercado do PC e das consolas do que este jogo perfeitamente ameno produzido pela Capcom, que prova que neste caso “infinito” é apenas o tamanho do desinteresse em torno deste título.