Há várias diferenças de opinião que acontecem com os videojogos e não acontecem com outros objectos culturais. Se alguém comparar de alguma forma alguns aspectos de uma série de TV com Breaking Bad, isso criará curiosidade para quem o ouve. Dizer que determinado cantor relembra Freddy Mercury faz-nos ter em alta consideração os dotes vocais da pessoa visada. Dizer que um jogo relembra outro é rotulá-lo de cópia, injustamente.

O que me trouxe a Ash of Gods: Redemption é indubitavelmente as inúmeras pedras de toque que tem com um dos melhores jogos indies dos últimos anos e que é um marco dos strategy RPGs, Banner Saga. Digam o que disserem, foram exactamente essas semelhanças que conduziram a uma campanha de Kickstarter de tanto sucesso quanto esta. Colocá-lo nesse lote é elogiar as suas qualidades e não é de todo resumi-lo a um mero fac-símile de uma obra maior.

Ash of Gods: Redemption é excelente na maior parte das coisas que faz, e dizer que é um Banner Saga 2.5 é a prova de quanto o temos em conta. Numa altura em que o terceiro capítulo da saga criada por Alex Thomas chegará ao mercado, Ash of Gods: Redemption serve na perfeição para aplacar essa sede de mais, criando a sua própria identidade pelo caminho.

Com um pendor tremendo na narrativa, Ash of Gods: Redemption conta-nos uma história complexa e altamente estruturada que começa 700 anos antes da acção principal, onde grande parte da Humanidade foi dizimada por uma raça misteriosa de Reapers que foram parados com o sacrifício de uma hoste de guerreiros e feiticeiros imortais. Quando começamos o jogo verdadeiramente sabemos que uma segunda vaga deste extermínio recomeçou e que tem como primeiros alvos a família do protagonista, Thorn Brenin.

Dizer que este é apenas um SRPG é esquecer que o seu grande foco é até nos elementos de visual novel, e é aqui que Ash of Gods: Redemption comete um pequeno excesso no foco e na disposição da narrativa. Não é difícil que sejamos soterrados uma verdadeira enxurrada de informação sobre este mundo, os seus personagens e a sua História, e que nos sintamos como alguém que começou a ler um livro a meio.

A sua qualidade narrativa percebe-se até nos verdadeiros impactos que as nossas acções e decisões têm no mundo, com a possibilidade de personagens (até protagonistas) morrerem e o jogo continuar sem elas. Para complicar as repercussões do enredo, Ash of Gods: Redemption tem três cenários distintos interligados que com a sua união tenta explicar o porquê de todos os estranhos acontecimentos que levam ciclicamente a uma purga da raça humana.

O combate é quase formulaico em termos de strategy-RPGs, ainda que pequenas adições mecânicas venham trazer novas camadas de dificuldade. Cada personagem tem 2 barras distintas, uma de vida e outra de energia e os nossos ataques podem atacar qualquer uma delas. Atacarmos a vida de um adversário pode derrotá-lo, mas se atacarmos e esgotarmos a sua barra de energia não só ele ficará sem acções, como receberá o dobro do dano na barra de vida. Esta gestão de o que atacar e quando é uma boa adição mecânica que pode ser equilibrada com o baralho de cartas de poderes que também temos à nossa disposição.

Apesar destas adições, e à semelhança com outros jogos do género, o sistema de combate eleva a dificuldade do jogo, obrigando-nos a pensar cada acção sob pena de perdermos um personagem definitivamente. A gestão dos nossos personagens, tanto em termos de descanso, levelling up e até de proximidades e lealdades é um dos elementos mais naturais no jogo, e está perfeitamente interligada com a grande componente narrativa emergente de visual novel e as conclusões dos combates que vamos levando a cabo.

Mas se a história é boa, ainda que se perca na voracidade como muitas vezes nos é despejada, é na direcção artística e musical que Ash of Gods: Redemption verdadeiramente brilha, e onde toma as maiores inspirações a Banner Saga. A linguagem visual é quase idêntica, com as ligeiras animações dos personagens (quase sempre cobertos com cores planas) e que dão um dinamismo muito próprio, e que o Stoic Studio já tinha provado eficaz em termos de investimento e resultados com a sua série. A proximidade de Ash of Gods: Redemption com Banner Saga não é por acaso, mas mais do que criticar-lhes a falta de arrojo em fazer algo diferente, tenho de exaltar o quão bem executados estão todos os elementos artísticos do jogo, que elevam esta obra do estúdio AurumDust para um excelente patamar.

Ash of Gods: Redemption tem falhas, e algumas delas passam pela falta de freios em manter um bom ritmo e interesse narrativo numa história que é tão interessante. O seu “encosto” a Banner Saga é um elogio, ainda que ao contrário deste tenha uma componente maioritariamente constituída por elementos de visual novel, e muito, muito texto para ler e decisões para tomar que podem afastar alguns jogadores mais sedentos de acção. Um jogo obrigatório para fãs de strategy-RPGs e que vai preencher o vazio ainda existente da antecipação de Banner Saga 3, mas que consegue ter uma voz própria apesar das incontáveis semelhanças.