
Quase cem anos depois de Os Lusíadas – o épico dos épicos portugueses – ser publicado em 1572, o mundo anglófono veria chegar em 1667 aquele que é um dos grandes poemas épicos ingleses: Paradise Lost, de John Milton. Uma obra ímpar que expande a mitologia cristã, que aborda a revolta e a queda de Lúcifer, e o surgimento e exílio de Adão e Eva. Um livro brilhante que deveria ser lido pela maioria da Humanidade, ainda que a visão de Milton de desobediência à lei divina e ao livre arbítrio esteja já desfasada com o nosso mundo contemporâneo.
Para os fã de metal há ainda duas referências: o álbum homónimo de Symphony X, que interpreta em metal progressivo a magnum opus de Milton e a banda de Halifax com o mesmo nome e que viria a ser uma das criadoras do doom metal.
As ligações de Paradise Lost, o jogo recém-lançado pelo estúdio PolyAmorous para Switch, PC, Xbox Series e PS5, com a obra de Milton, são facilmente unificáveis. Neste jogo de exploração narrativa na primeira pessoa não habitamos o Jardim do Éden, nem vemos as figuras bíblicas a digladiarem-se pelo direito à sua liberdade individual, mas assistimos à perda do Paraíso.

Paradise Lost é um objecto de História Alternativa, onde a Segunda Guerra Mundial se prolongou por mais de vinte anos, e terminou apenas com a total aniquilação da Europa por uma série de mísseis nucleares disparados pelos Nazis. O cenário é agora de um inverno nuclear pós-apocalíptico.
Não controlamos um soldado em qualquer um dos lados, ou um refugiado, um mercenário ou um herói clássico. Em Paradise Lost assumimos o papel de Szymon, um rapaz de 12 nascido neste cenário desolador, que percorre o cenário do que conhecemos como a Polónia em busca de um homem que conhece a partir de uma fotografia.
O ritmo deste jogo é bastante lento, e grande parte da culpa desta lentidão são os passos curtos de Szymon, que nem tem a habilidade de correr. Esta lentidão é ainda mais exasperante em todos os momentos que temos de subir ou descer escadas.
Por outro lado, é possível que o estúdio PolyAmorous tenha implementado esta velocidade de forma propositada. Se tivéssemos a capacidade de correr, esta curta história seria tragada em ainda menos tempo do que já é. Por outro lado, apressar o ritmo do jogo quebraria o efeito que o ambiente desolador de Paradise Lost tem connosco, não só em termos de escala, mas em termos da nossa fragilidade perante o ambiente que nos rodeia.

Visualmente este Paradise Lost é maravilhoso. A grande definição de toda a arquitectura ficcional abre-se logo nos primeiros instantes, à medida que percorremos a medo um bunker nazi deserto. Todas as grandes estruturas que lembram a arquitectura dos anos 1940 e 1950 surge aqui como um fantasma de outra era, perdido no meio da neve, do silêncio e da devastação.
É possível que Paradise Lost nos fizesse perder todos os maravilhosos detalhes que compõem o espaço que percorremos se Szymon pudesse andar mais rápido do que anda. Se apressássemos o passo, decerto que iríamos passar ao lado de todas as histórias paralelas que são contadas nos ínfimos detalhes, e que nos ajudam a compreender este mundo alternativo, e o porquê do nosso protagonista estar completamente sozinho.
Como seria de esperar num jogo deste género, as mecânicas reservam-se à exploração e a interacção com objectos. Mas é na leitura das muitas cartas espalhadas – e na paciência para o fazermos – que a história se vai descortinando, e que vamos compreendendo momentos passados do mundo que já passou.
Há algo de aterradoramente cinematográfico em Paradise Lost. A ideia de arqueologia recente, em que vasculhamos os pertences de pessoas que já morreram, em que investigamos os seus pertences que ficaram inertes desde um momento específico no passado. Percorremos o cenário como um quadro congelado no tempo, reconstruindo o passado com pormenores que recolhemos destes objectos.

Os autores quiseram correlacionar toda esta caminhada pela verdade que Szymon está a fazer como uma deambulação pelos cinco estados do luto. Vamos percebendo porquê: a história vai-nos sendo revelada não apenas com os objectos e as informações que recolhemos, mas também através de flashbacks de Szymon desde o berço até à sua infância.
No meio da desolação, Szymon é contactado por uma rapariga, Ewa, que o informa que necessita da sua ajuda por estar presa nas profundezas do bunker. E isso provoca-lhe uma ligeira mudança no seu objectivo inicial. Ou talvez não.
Em menos de quatro horas, com muita leitura e exploração à mistura, chegamos à conclusão de Paradise Lost. As ramificações dos diálogos pouca ou nenhuma alteração causam, à excepção do final, onde podemos ter quatro desfechos possíveis para a história de Szymon e de Ewa.
Um jogo de exploração narrativa vive do ambiente que se cria e da história que se tece, e em ambos esses campos Paradise Lost consegue criar algo memorável. Um conto que se vai fiando a partir do livro homónimo, mas que é estendido para uma realidade alternativa onde a Segunda Guerra Mundial destruiu a Humanidade e mergulhou a Terra num inverno nuclear.
Fugindo aos estereótipos habituais de jogos com o ambiente nazi como pano de fundo, colocar-nos na pele de uma frágil criança num cenário pós-apocalíptico é o peso necessário para que a mensagem principal venha ao de cima. Ainda há tempo para impedir com as nossas escolhas que este Paraíso com falhas onde vivemos venha a ser dado como perdido.













