“Não é a qualidade, é a disponibilidade”, digo eu a todos aqueles que se questionam nas milhentas horas que dedico a farming RPGs, bullet heavens, open worlds, mas não a soulslikes. É mesmo a disponibilidade mental, e a vontade de estar num contexto videolúdico de constante e total pressão, o que colide diametralmente com o que procuro nos dias de hoje, à noite, para relaxar.

A chegada de indies dentro deste espectro é sempre uma nova tentativa de me apaixonar pelo género, como tanta gente à minha volta já fez. Desta vez calhou a Mortal Rite, um action RPG na terceira pessoa desenvolvido pela equipe indie de seis pessoas da Round Toast Studios. Com uma proposta ambiciosa e uma abordagem cooperativa, o jogo tenta esculpir o seu lugar num território já bem povoado com uma dose de imprevisibilidade roguelike.

No cerne de Mortal Rite está o combate brutal e exigente, com ênfase no timing, esquiva, gestão de stamina e ataques pensados e precisos – elementos que qualquer fã de soulslike reconhecerá de imediato. No entanto, Mortal Rite quer fugir de ser apenas um clone de Dark Souls – comparação que lhe serviria mal – e insere um sistema de party e jogabilidade cooperativa.

Cada personagem jogável tem dois estilos de combate próprios, para além de uma lista de habilidades únicas e evolução própria, levando-nos a experimentar diferentes abordagens e sinergias quando se joga em grupo. Tal como em jogos clássicos baseados na diversidade de parties, a experiência muda substancialmente dependendo do tipo de personagem que se escolhe e da composição da equipa.

O jogo permite até cinco jogadores em co-op online, e a dificuldade escala com o número de combatentes presente, tornando o trabalho de cooperar para derrotar os muitos inimigos não apenas divertido, mas necessário. Este foco cooperativo (ainda que seja perfeitamente possível jogá-lo em single player) transforma Mortal Rite numa espécie de soulslike com um travo de dungeon crawler cooperativo.

A direcção de arte de Mortal Rite foi dos momentos que mais me cativou, com uma aposta num realismo estilizado: onde criaturas grotescas e animações de combate razoavelmente polidas surpreendem, especialmente quando sabemos da dimensão da equipa por trás da criação do jogo. 

Por outro lado, cada nova tentativa nos seus níveis proceduralmente gerados pode trazer novos desafios, e a morte não significa necessariamente recomeçar do zero, como os roguelikes já nos habituaram. Existem sistemas de desbloqueio e melhorias permanentes numa linhagem de meta-progressão que justifica o nosso investimento de tempo no jogo. 

Com muitas promessas, diria que o maior problema de Mortal Rite neste momento é o facto de necessitar de muito, muito polimento. Mesmo não sendo um expert no género, reconheço que um bom desafio soulslike depende do ritmo afinado da dança que é o combate. E o de Mortal Rite está fora de tempo, onde falhamos ataques sem justificação, e a diversidade dos inimigos não impele a que a “música” de cada batalha seja diferente, ou seja, que tenhamos de nos adaptar por aí além a desafios que na realidade não são assim tão distintos entre si.

Sei que este é o problema do Acesso Antecipado, e diria que apesar de todas as promessas de Mortal Rite para aqueles que salivam por soulslike, que a espera por um momento de desenvolvimento mais sólido daqui a algum tempo será a opção mais sensata.