Não tinha uma bola de cristal para saber o impacto que teria no futuro, mas senti de imediato, há quase 10 anos, quando joguei Coffee Talk pela primeira vez, que estava na presença de algo verdadeiramente importante.

A prova vê-se na última década, e a forma como essa criação do falecido Fahmi viria a influenciar tantos outros jogos, um pouco por todo o mundo. E é com orgulho que o temos como parte da História do Indie X, um dos primeiros festivais onde o jogo foi exibido.

Outra surpresa é ver um estúdio que conheço bem pelos seus side scrolling shooters, como Guns, Gore & Cannoli e Shootas, Blood & Teef, o estúdio belga agora renomeado Rogueside decidiu enveredar na sua carreira por um jogo narrativo de mistério e bartending, com ambiente de cenário noir inspirado na Europa dos anos 1920. 

Best Served Cold foi lançado a 5 de Maio de 2025 para PC, PlayStation 4 e 5, Xbox e Nintendo Switch, e leva-nos para a cidade fictícia de Bukovie, um lugar mergulhado numa crise política e económica, à beira da guerra, onde um speakeasy clandestino chamado Nightcap, escondido sob uma livraria elegante, serve de refúgio à decadência que reina à superfície.

É neste ambiente que assumimos o papel de bartender, e que nos vemos envolvidos numa série de cinco casos de homicídio: as investigações decorrem maioritariamente à base de conversas de bar, onde cada cliente nos traz histórias, pistas e segredos que iremos utilizar para “desenhar” o caso. 

Já o meu avô dizia que os bartenders são não só grandes terapeutas, como são das maiores fontes de informação que podemos encontrar, e uma prova disso é um detective da polícia que nos propõe uma parceria informal: os nossos “poderes” de observação e habilidade na mistura de bebidas podem ajudar a desvendar verdades escondidas por detrás de olhares embriagados e copos meio vazios. 

Cada cocktail eficazmente preparado para o gosto do nosso interlocutor influencia o estado de espírito do cliente e pode desbloquear novas informações, tornando as interacções de bartending uma mecânica central do jogo e contribuindo para a narrativa.

Durante o dia, recolhemos e organizamos pistas num tabuleiro de pistas e provas no apartamento do nosso protagonista: essa organização, porém, é uma das mecânicas que menos me agradaram por se apoiar em excesso num sistema de tentativa e erro, fazendo-nos por vezes perder o fio lógico que um bom mistério requer. 

Ainda assim, Best Served Cold recompensa-nos com um bom enredo e com personagens bem delineadas, onde a diversidade e as relações LGBTQ+ são integradas com o respeito e a naturalidade que deveriam ter sempre.

A direcção artística de Best Served Cold aposta num estilo desenhado à mão, onde apesar de não haver vozes, houve uma grande preocupação com a acessibilidade e a inclusão de opções como avanço automático e fonte disléxica. 

Best Served Cold é uma excelente visual novel que nos oferece uma noite cheia de dilemas morais, conversas ambíguas e um ambiente em que cada bebida pode ser a chave para a verdade, obrigatório para todos os fãs de Coffee Talk.