É sobejamente conhecida a história de bastidores de Harvest Moon e Story of Seasons, com a Natsume a reter os direitos do primeiro, e os seus criadores a abandonarem a empresa e a criarem o segundo. Uma prova rápido de algo mais do que óbvio: são as pessoas quem faz as empresas, e não o inverso. Ao longo dos últimos 9 anos tem sido evidente que entre os jogos intitulados Harvest Moon e desenvolvidos pela própria Natsume, e a série Story of Seasons vai mais do que uma época de colheitas de diferença, ainda que esta também esteja a atingir um nível de estagnação dado o número intensivo de iterações que têm chegado ao mercado.
Mas para os fãs do género era certo e sabido: cada novo Harvest Moon seria uma desilusão igual ou maior do que a anterior. Com a série a tornar-se para mim o maior exemplo de algo que defendo há anos: mais do que nomes de empresas ou marcas registadas de séries, o que torna uma obra boa é tão somente as pessoas que estão por trás da sua criação.
Quando vi que Harvest Moon: The Winds of Anthos tinha saído de imediato que os meus olhos rolaram figurativamente até à nuca: aqui vamos mais para mais um jogo da série que é facilmente envergonhado por equipas pequenas de indie que lançam títulos agrícolas mais interessantes do que a série que abriu todo este mercado.
Mas depois de ter jogado 10 horas de Harvest Moon: The Winds of Anthos tenho de dizer que finalmente a Natsume nos deu uma surpresa positiva, arriscou em criar algo diferente e este é sem sombra de dúvidas um dos melhores Harvest Moon do pós-celeuma. Mas estas considerações não significam que este seja um jogo excelente. Muito pelo contrário.
Ultrapassando a fórmula testada, repetida, exausta e pouco criativo de todos os seus lançamentos da última década, a Natsume – apostaria por estar altamente influenciada por Pokémon Legends: Arceus – decidiu agitar as águas e transformar The Winds of Anthos num open world com um grande foco na exploração.
Seria injusto da minha parte, que sempre critiquei a cristalização (e a falta de talento da Natsume) para com a série Harvest Moon de não ficar feliz por ver a empresa a arriscar. Mas há tantas decisões mecânicas que foram feitas em todo o jogo que acabam por estragar por completo esta sensação de risco e originalidade.
Comecemos pelo mais óbvio: em 2023 criar um mundo aberto inteiramente explorável onde não conseguimos pular ou saltar é apenas um artifício para ora tornar a jogabilidade mais longa, ora torná-la mais obtusa. E nenhuma das razões é salutar para a nossa experiência.
Imaginem o seguinte cenário: Estamos a deambular pela geografia acidentada da planície que fica para além do vale onde começamos o jogo. À nossa frente temos um ligeiro declive, com um caminho em baixo, a uma altura equivalente a metade da altura do nosso protagonista. Podemos saltar o pequeno declive? Deixar-nos cair para o plano inferior? Não. Uma parede invisível impede-nos de ultrapassar um obstáculo tão simples, obrigando-nos a percorrer um grande trajecto para dar a volta e caminhar na estrada que nos leve até ao plano que está ali, a meros pixels.
Felizmente que com estas barreiras invisíveis démodés e a necessidade de calcorrear quilómetros digitais incontáveis para alcançar pequenos trajectos, o jogo não nos faz gastar a tão afamada energia apenas para nos movimentarmos. Esperem. É precisamente isso que o jogo faz. Não só a energia disponível para as diversas tarefas é escassa, permitindo-nos fazer muito pouco em cada dia, como o simples acto de locomoção nos faz gastar essa parca energia.
Já joguei dezenas (centenas?) de títulos deste género, e acredito que esta é possivelmente uma das piores decisões de game design que já vi serem aplicadas num jogo deste género. Sobretudo se tivermos em consideração que ao mesmo tempo em que temos uma mecânica desta, também temos de explorar um mundo vasto (ainda que estéril).
Para conhecedores da série Harvest Moon o enredo é o mais tradicional possível: a Deusa das Colheitas desapareceu após uma erupção vulcânica, e passa pelo nosso envolvimento com a terra envolvente a missão de restaurar a sua presença neste mundo. Para trás ficaram dezenas de Sprites, pequenas criaturas aladas semelhantes a fadas com o qual podemos interagir pelos mapas e que nos recompensam com sementes de diversos tipos. Do ponto de vista de interface é interessante ver que o jogo nos permite identificar e filtrar no mapa os Sprites que nos oferecem determinada semente.
Mas é curioso que num jogo como Harvest Moon a componente agrícola seja a mais desprezada. Não só porque nos é retirada a liberdade de expandir a nossa colheita, com o jogo a pré-estabelecer os quadrados pré-determinados que podemos cultivar, como o rácio agressivo como perdemos a nossa energia a desempenhar pequenas tarefas. E a andar. Não nos esqueçamos que em Harvest Moon: The Winds of Anthos perdemos energia a andar.
A colheita cruzada e as mutações existem como sempre, mas é fácil de sentirmos que até em termos de rentabilidade, e dado os grandes custos de energia para trabalhar a terra, há outras formas mais compensatórias de progredir no jogo. Especialmente os minérios, que tomam um papel fulcral nas quests principais de Harvest Moon: The Winds of Anthos.
Mas até aqui a Natsume decidiu reinventar a fórmula para pior. Não só – espantem-se – cada utilização da nossa picareta nos consome muita energia, como a cada quadrado de mineração existe uma possibilidade de despoletármos uma queda de pedras do tecto que se nos acertarem – sim, é verdade – nos fazem perder uma parte considerável da nossa energia.
Seguindo a lógica de outros jogos do género, a mina é processualmente gerada, significando que temos lentamente de ir descendo níveis mais profundos com melhores recompensas, mas para isso temos de encontrar as escadas que nos permitem descer. Mas a menos que enchamos o nosso inventário com comida para conseguir sobreviver não só ao dispêndio agressivo de energia como aos perigos que a desgastam, e dificilmente vamos descer com facilidade os níveis com maiores riquezas.
Sabendo de antemão que jogos do género são sifões de tempo no qual temos de investir para progredir, mas é fácil de sentir a forma agressiva e artificial como os seus criadores implementaram grind excessivo para podermos dar resposta às quests que fazem avançar a história. Sobretudo porque a sua grande maioria está interligada a minérios.
Somemos a tudo isto os dias extremamente curtos que Harvest Moon: The Winds of Anthos nos traz e cada jornada diária é extremamente curta, obrigando-nos, de forma não natural e não satisfatória a prolongar a nossa história por anos.
Harvest Moon: The Winds of Anthos é o melhor Harvest Moon em muitos anos, mas isso não faz dele um jogo bom. Com tantos excelentes títulos indie que têm saído e que apresentam um grande amor e apreço pelo género, nem a tentativa de impor originalidade a esta nova iteração vai permitir a Winds of Anthos granjear dos elogios que a série já teve noutros tempos. E visto que a Natsume decidiu apontar este jogo para o escalão dos jogos a 50€, muito dificilmente não vos consigo dar uma sugestão de 2 ou 3 títulos excelentes cujo preço somado não ultrapassa o valor pedido por este novo Harvest Moon.
Comments (3)
Olá! Vc comenta sobre outros jogos do gênero que são melhores. Pode indicar por favor? Obrigada
Sim, claro! Tens o STORY OF SEASONS: Friends of Mineral Town, o Stardew Valley, o Fae Farm e o Coral Island que são muito, muito melhores!
Não poderia concordar mais, me impressiono que continuo ficando triste a essa altura onde já não espero mais nada, mas HM foi tão querido e magico na minha infancia que vivo em negação pelo quanto a série se perdeu. As falhas do jogo são tão agressivas que me fizeram sériamente pensar em reembolsar, coisa que deveria mesmo ter feito, a mineração no geral, a lentidão pra liberar coisas básicas, a falta de foco na agricultura e a stamania são especialmente podres.