Um sintoma de que 2019 vai ser um excelente ano para os videojogos (como aliás, têm sido os últimos 3) é que neste início de ano numa fase de calmaria AAA têm sido os indies a pegarem no ónus de nos deixarem de queixo caído como quem diz “Querias bons jogos, era? Então toma lá bons jogos!”. Já diversos jogos indie neste 39 dias de 2019 nos tiraram o fôlego e é indiscutível que Unruly Heroes, dos franceses dos Magic Design Studios é um desses exemplos.

Pudera”, dirão, “então esse estúdio é constituído pela malta que criou o Rayman Origins e outros jogos da Ubisoft, estavas à espera de quê?”. Unruly Heroes é um daqueles exemplos de jogos criados por veteranos da indústria que decidem abraçar o mercado indie e cujo resultado final evidencia a cada pixel a experiência e o talento dos seus criadores. O facto da direcção artística de Unruly Heroes baseada em animações tradicionais dos seus personagens e cenários ser verdadeiramente soberba não é um espanto, tendo em atenção o envolvimento de muitos dos artistas que trabalharam originalmente nos objectos desenvolvidos sobre as potencialidades do UbiArt. Porém, isso não deve retirar o mérito de reconhecermos o deslumbre visual deste jogo, pelo facto de já esperarmos a priori que um estúdio com estas credenciais passadas tivesse quase obrigatoriamente de criar um excelente jogo.

Unruly Heroes é uma interpretação muito próprio de uma das grandes obras de literatura fantástica da Humanidade, Journey to the West (na sua tradução inglesa), cuja autoria é atribuída a Wu Cheng’en, e que retrata a peregrinação do monge Tang Xuanzang, do Rei Macaco Sun Wukong, o porco antropomórfico Zhu Bajie e o monge Shā Wùjìng até à Índia para obter as sagradas escrituras que trariam a paz de volta. “Oh, Ricardo, mas já conhecias o livro?”, perguntam. Já o conhecia mas não por o ter lido, mas porque o jogo de NEs Journey to the West (Ganso Saiyūki: Super Monkey Daibōken no original) vinha num multicard que comprei para a minha Famiclone que incluía o Dragon Ball Z (ironicamente o personagem de Son Goku foi criado por Toriyama a partir de Sun Wukong, mas isso só viria a descobrir anos mais tarde).

Como action platformer, as semelhanças com Rayman são óbvias por diversas razões, funcionando muito mais como elogio para Unruly Heroes do que como alguma tentativa de o minorar por isso. Ainda assim, este jogo indie tem muitos argumentos próprios para ter a sua própria identidade sem estar rotulado como um sucedâneo de Rayman (já agora impõe-se a dúvida se a Ubisoft voltará a dar atenção ao personagem num futuro próximo?).

Os quatro personagens presentes têm todos características únicas que assentam no grande pendor de puzzle que os níveis apresentam. Se alguns conseguem planar entre abismos, outros há que conseguem fazer um duplo salto para alcançar plataformas mais altas. A possibilidade que temos de ir alternando os personagens de forma instantânea serve por um lado como ingrediente para esta aura de puzzle platformer que Unruly Heroes tem em diversos momentos, como uma forma de gerir “a vida” de cada um deles e de os salvaguardar em combate. Pode-nos interessar, por exemplo, guardar um personagem mais forte em combate no “banco” para ser utilizados em situações de maior aperto como as boss fights. Estas, assim como as lutas comuns foram desenvolvidas de forma brilhante, explorando as unicidades de cada um dos personagens para manter a acção sempre fresca e diversificada.

A componente de co-op local ou mesmo do multiplayer ao estilo de Super Smash Bros. conferem-lhe uma vida para além da sua expectável.

Se 2019 está a ser neste primeiro mês e uns pozinhos um excelente período para os videojogos, essa afirmação tem um especial impacto quando falamos dos action platformers, que tem em Bladed Fury (que foi lançado no cair do pano de 2018 mas que só jogámos já em Janeiro) e em Unruly Heroes dois dos seus maiores e melhores exemplos. Este indie criado por veteranos da Ubisoft e que já está lançado em PC, PS4, Xbox One e Switch é obrigatório para todos os fãs do género. “Tens a certeza?”, perguntam, uma última vez, antes do artigo terminar. Tenho.