Em algum momento da nossa vida vamos ter de reconhecer que é graças a Mario Puzo e à adaptação cinematográfica de Coppola que temos esta visão romanceada do crime organizado, especialmente o italiano em território estadunidense. Um certo apelo pelo charme como a cosa nostra foi representada e que quase nos faz ignorar os crimes que alimentam essas estruturas, e focarmos a nossa atenção apenas nessa aura cativante que Brando, Caan e companhia imprimiram na nossa mente.

Mas a literatura e o cinema não foram os únicos meios a explorarem este fascínio por gangsters. Uma exploração conceptual que não se ficou pela máfia siciliana, mas que se estendeu pelas tríades, Yakuza, gangs de rua americanas, sejam como protagonistas ou como antagonistas. 

Mas é possível que o primeiro grande título a assumir esse espaço seja precisamente aquele que conseguiu o comercialmente poderoso substantivo Máfia como título.

Um pouco de contexto prévio: GTA 3 marcou o mercado e a indústria de videojogos de forma avassaladora. Uma influência que sente até hoje, com tantos outros títulos de outras companhias a terem sucesso ao pegarem na genialidade de um mundo aberto onde podemos ser e fazer o que quisermos.

Um ano depois de GTA 3 ver a luz do dia, a editora Gathering of Studios edita Mafia, desenvolvido pelo estúdio checo Illusion Softworks. Curiosamente, tanto a editora e o estúdio viriam poucos anos depois a ser adquiridos pela Take Two, tornando Mafia parte integrante de um catálogo de luxo onde se inclui GTA 3, o jogo que em muitos aspectos serviu de inspiração conceptual para o seu desenvolvimento.

Se passaram tantas horas quanto eu passei em 2001 a jogar GTA 3, devem lembrar-se que um dos elementos mais interessantes que o tornaram esse marco histórico que é, foi a capacidade de nos dotar de uma multiplicidade de acções que poderíamos tomar sem termos de seguir directamente a história principal. Mafia quis olhar para a abertura de mundo que GTA 3 nos trouxe e balizá-lo de alguma forma. Usar a sua escala como pano de fundo mas focar a nossa atenção na linearidade de uma boa história. A cidade, e a sua dimensão, são o palco, e não um protagonista secundário silencioso.

É algo esmagador jogar Mafia: Definitive Edition agora, na representação de um mundo (e de um País) quase cem anos depois mas onde observamos a repetição de alguns dos ingredientes que contribuíram para a instabilidade da época a contribuírem para um movimento cíclico da História. 

O nosso protagonista é Tommy Angelo, um pobre taxista imigrante que, após um contacto com a família Salieri, adentra uma mudança total de vida, fazendo-o abraçar a máfia sem mais não poder sair. A realidade ficcional de Angelo é, na verdade, a representação de muitos outros homens e mulheres como ele que caem nas estruturas do crime organizado pela necessidade de sobrevivência. E é nessa escalada interna que as muitas missões vão progredindo progressivamente em direcção a acções mais complexas mas também mais sangrentas.

Na sua essência, apesar da abertura do mundo, Mafia é um third person action cover shooter, onde a movimentação e controlos de disparos, apesar desta nova versão, demonstram a idade original. Mecânicas simples que servem de coadjuvantes a vivermos a excelente história de Mafia e que o eternizaram como um jogo de culto.

Esta versão definitiva tem, sobretudo, o condão de abrilhantar o mundo visualmente envolvente para os dias de hoje. A construção da cidade, cujo esqueleto tem quase 20 anos, é obviamente menos “cheia” que os jogos do género feitos nos dias de hoje, mas o novo tratamento não deixa isso transparecer, ou sequer ser um argumento negativo contra Mafia: Definitive Edition. Muito pelo contrário. Com a atenção focada em fazer esse salto temporal, a direcção artística desta nova versão serve na perfeição para conferir a experiência cinematográfica que é o objectivo máximo deste jogo, construído para os padrões de hoje.

Mafia: Definitive Edition é a oportunidade perfeita para trazer para as novas gerações – de consolas e jogadores – um dos grandes jogos de culto, que abriu caminho para uma série e uma tendência temática nos videojogos.