Desde que foi lançado na PlayStation original em 1996, Resident Evil já recebeu inúmeras sequelas, spin-offs e remakes, mas se há um aspeto que a criação de Shinji Mikami tem oferecido aos fãs é a capacidade de se transformar, mudando a fórmula constantemente. E os capítulos já passaram do puro survival horror, aos jogos de ação intensos, e houve mesmo experiências demasiado exageradas que acabaram por resultar em novos produtos. Sabiam que Devil May Cry nasceu daquele que seria um novo capítulo na série?

Depois das queixas dos fãs de que os quinto e sexto capítulos nada tinham de survival horror, sendo um simples action shooter com zombies, a Capcom regressou ao estirador para reformular a série. E ao mesmo tempo que assumiu a audácia de introduzir uma perspetiva na primeira pessoa, voltava às suas origens, ao criar um ambiente sempre tenso, mais focado no terror psicológico. A perspetiva na primeira pessoa ajudou a criar esse ambiente envolvente no horror da fazenda da família Baker, sobretudo quando jogado em realidade virtual. 

Resident Evil Village é a continuação direta do sétimo capítulo, e mais uma vez devolve o protagonismo a Ethan Winters, tendo lugar três anos após os eventos em Louisiana. Ethan e a sua mulher Mia vivem agora na Bulgária, com a sua recém-nascida bebé Rose. A aventura começa de uma forma estupidamente estranha, com Chris Redfield a surgir com uma equipa de operacionais, mata Rose à queima-roupa, rapta a bebé e leva Ethan preso. Para não variar, há um acidente na carrinha de transporte do protagonista, e este é o único que sai ileso. Quando volta a si, nota que está numa vila, aparentemente vazia, mas obviamente que o terror não demora e os primeiros sinais são lobisomens. 

Quem jogou o título anterior vai sentir-se familiarizado com com esta nova proposta, no entanto, a Capcom apostou bastante nos cenários exteriores, dando à própria vila um protagonismo muito bem-vindo. Esta serve como um HUB para as diferentes áreas da aventura, mais concretamente quatro lugares que são guardados por diferentes lordes malignos, que no fundo servem de bosses. O primeiro, como tiveram a oportunidade de jogar na demo é o castelo da gigantesca lady Demitrescu. Mas esperem outros ambientes pela aldeia de cortar a respiração, sobretudo quando mete bonecas de porcelana, vampiros, lobisomens aos uivos e criaturas viscosas. E o bebé que nos persegue? bolas… 

De notar o vibe da vila que nos faz lembrar Bloodbourne, mas também obviamente Resident Evil 4 e temos ainda ambientes que parecem tirados de Silent Hill. Mas curiosamente, com diversas inspirações, esta aventura tem pouco de Resident Evil na sua essência e ligação a personagens e lore, chegamos mesmo a esquecer que se trata de mais um capítulo principal, não fosse a presença esporádica de Chris Redfield e por vezes os símbolos da Umbrella, e pouco mais ligação haveria. Claro, existe muito documento para descobrir e o lore online para perceber o que se está a passar. 

Mas neste título existem partes que lembra mais Call of Duty, tal a quantidade de inimigos a abater, entre zombies, lobisomens e outras aberrações. E claro, o vasto arsenal que vão recolher, pistolas, caçadeira, lança-granadas, snipers, dinamite ou minas. E munições não faltam, sendo possível fabricar com matérias-primas ou comprar na loja do misterioso Duke, um gigante obeso que aparece nos locais onde menos esperamos. Neste pode-se entregar ingredientes, como carne e peixe para cozinhar pratos que dão boosts permanentes à personagem, tal como redução de dano quando se trava um ataque ou mais velocidade da personagem. 

E não seria um Resident Evil sem puzzles, não faltando chaves e objetos para abrir portas e caminhos, mas nenhum é verdadeiramente desafiante. Já a vila é uma autêntico labirinto barrando-nos constantemente o percurso, obrigando a explorar caminhos perdidos até aos objetivos. Mas permite explorar, regressar aos locais anteriores abrindo uma porta do outro lado, encontrar tesouros secretos, upgrades para as armas e objetos valiosos que podem ser vendidos. Há uma componente de exploração bem-vinda, ainda que por vezes com algum back tracking que apenas ajuda a prolongar um pouco mais 12 horas necessárias para finalizar a aventura. No entanto, o sistema do mapa que muda de vermelho para verde as salas ou áreas totalmente exploradas, evitam andar sempre a vasculhar o cenário. 

De destacar as personagens com que nos vamos cruzando, como o referido vendedor Duke, mas cada um dos bosses que vamos enfrentar. Nesse aspeto a Capcom sempre trabalhou bem, não faltando momentos “what the fuck” ao longo da aventura. E há uma boa variedade de aberrações para enfrentar, sobretudo na parte final do jogo. E se inicialmente pensamos que as balas são mais que suficientes, é bom que economizem, porque certos encontros são intensos, sobretudo quando metem mini-bosses ou hordas de inimigos. E convém ainda fazer upgrade ao inventário, caso não queiram deixar nada para trás, sobretudo armas. 

Resident Evil 8 contrasta com o capítulo anterior ao trocar os ambientes sinistros, claustrofóbicos da casa dos Baker por um mundo aberto, cenários exteriores lindíssimos, mas troca os elementos de survival horror pela ação frenética. É inevitável comparar estas sequências com Call of Duty, e por isso, as mesmas críticas feitas ao quinto e sexto título. Mas de notar que, pelo menos, as cenas de ação são bem feitas, com uma excelente sensação de disparo, fazendo inveja a muitos FPS. E se anteriormente havia queixas de que o combate era a parte mais fraca dos jogos, agora não nos podemos queixar. 

Resident Evil Village é um carrocel de ritmo, alternando entre o excelente e o meh, sobretudo em certas alturas da história que parece não fazer qualquer sentido, como se Resident Evil alguma vez tivesse feito. Como jogo de terror não tem muitos jump scares, mas existem momentos tensos muito bem construídos, ambientes sinistros e inimigos bizarros mas muito detalhados. Mas desde que tenham munições não há muito que ter medo, se calhar dos lobisomens, ou as bonecas, ou estes zombies, e estes mutantes…